quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Resenha: “Convite à Filosofia”, de Marilena Chauí



Ensinar Filosofia já não é tarefa fácil, que dirá passar a matéria para jovens inseridos no Ensino Médio, marcados pelo encerramento de um longo ciclo e pelo início das primeiras decisões, que somadas às já constantes descobertas, medos e inseguranças próprias desta faixa etária, dão os elementos que demonstram o tamanho do desafio. As dificuldades enfrentadas pelos professores vão desde estabelecer um método na tentativa de tornar os conteúdos da disciplina ao menos digeríveis para estes alunos, à quebra dos arquétipos, formados ou adquiridos, em que a Filosofia é tida como qualquer coisa, menos como o que de fato ela é. Marilena Chauí (1941), professora titular de Filosofia Política e História da Filosofia Moderna na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) e uma das mais prestigiadas intelectuais brasileiras, tratou de fazer um Convite à Filosofia para estes jovens em um livro que tem como finalidade fazer da ética, da política, da razão, do conhecimento, da verdade, da ciência, da técnica, da arte, da religião, da história, da lógica, da metafísica e dos demais temas da reflexão filosófica, matérias-primas no cultivo do interesse para a reflexão, desenvolvendo a autonomia intelectual e estimulando o raciocínio crítico, despertando o interesse pela Filosofia e o gosto pela interrogação partindo de investigações e problemas encontrados na experiência cotidiana do próprio leitor.
Chauí introduz o livro aproximando algumas situações representadas no filme estadunidense Matrix (Andrew e Lana Wachowiski, 1999) à Alegoria da Caverna de Platão (427 a.C - 347 a.C.) na tentativa de clarificar a distinção entre realidade e ilusão, conhecimento e crença, verdade e opinião. Trazendo o protagonista Neo como modelo comparativo à ideia de filósofo metaforizada no texto platônico, a professora trás ao cenário cotidiano questionamentos sobre a realidade essencial e profunda de uma coisa para além das aparências, o que permite ao leitor conceber tanto a noção de filosofia quanto o verdadeiro papel do filósofo.  A partir do primeiro esclarecimento, Chauí trata de instigar no leitor a procura pelo seu “filósofo interior”, tendo como ponto de partida as indagações sobre as nossas crenças costumeiras, ou seja, sobre as ideias em que acreditamos sem questionar, que aceitamos porque são evidentes, assim como as sombras na parede da Caverna e os elementos que compõem a Matrix. Didaticamente a autora vai explicando em que consiste o estudo da Filosofia: questões como a distinção entre a reflexão filosófica e a atitude filosófica, a atitude crítica, o pensamento sistemático da Filosofia, suas utilidades e definições, se desenvolvem de acordo com ou uma ordenação metódica e por meio de uma linguagem bastante acessível, contando ainda com exercícios ao fim de cada unidade para reforçar e fixar o conteúdo que foi pontificado.
Além do esquema cronológico adotado por Chauí - dividindo o livro em oito unidades e subdivididos em capítulos - a começar pela origem e nascimento da filosofia na Grécia antiga, e dos exercícios de fixação, as técnicas relativas à transmissão do conhecimento filosófico contam com o uso de figuras que ilustram o conteúdo textual, dando um suporte didático que permite a qualquer leitor alheio ao assunto, um ritmo que favorece uma maior absolvição do que está sendo passado. Contextualizando a filosofia na história da humanidade, e a autora perpassa pelos primórdios do pensamento filosófico: Do período pré-socrático ao socrático, filósofos como Tales, Anaxímenes, Anaximandro, Heráclito, Parmênides, Pitágoras, Empédocles, Anaxágoras e Zenão são apresentados. O período clássico e helenístico (do século VI a.C. ao século VI d.C.) é apresentado sistematicamente até chegarmos ao medievo (do século VIII ao século XIV). Resaltando a influência de Aristóteles e Platão sobre o pensamento dos filósofos medievais, Marilena passa por Plotino, Santo Agostinho, Santo Tomas de Aquino, Guilherme de Ockham, Abelardo, dentre outros que refletiram sobre algumas das principais questões da história da filosofia, até chegar ao período da Filosofia Renascença (do século XIV ao século XVI). Esse esquema continua na Unidade I do livro seguindo pela modernidade (do século XVII a meados do século XVIII), período Iluminista (meados do século XVIII ao começo do século XIX), até chegar à contemporaneidade. O leitor tem a oportunidade de se encontrar na história da filosofia em apenas trinta e três páginas, o que lhe concede a base necessária para prosseguir posteriormente com assuntos mais complexos.
A este ponto o leitor já tem todo um aparato introdutório, uma reunião dos instrumentos e/ou itens cuja função é fundamental à realização dos objetivos que formam o propósito geral do livro. Seguindo o procedimento encadeado em etapas ligadas entre si para tornar mais eficiente o processo de aprendizado, o conteúdo passa a ser exposto focado em suas especificidades: “A Razão” dá nome à Unidade II que busca estabelecer, a primeiro momento, a origem, o princípio e os vários sentidos da palavra razão. Cronologicamente o texto explicativo expõe os princípios racionais defendendo que o pensamento racional é aquele que possui lógica e se dá por intuição ou raciocínio, passando pelas noções de indução, dedução e abdução, para em seguida expor os conceitos de Inatismo e Empirismo até chegarmos à razão na Filosofia contemporânea. Esta mesma sequencia se matem no decorrer das unidades seguintes, obedecendo sempre a uma combinação de partes que, coordenadas, concorrem para um fim de valor pedagógico, a fim de indicar as proporções de suas partes, suas relações mútuas e o funcionamento do todo, conservando a ordem histórica ao partir sempre dos primórdios aos epílogos. Assim acontece na Unidade III com os esclarecimentos acerca das ideias de verdade, falsidade, incerteza, ignorância, dogmatismo, as diferentes concepções filosóficas sobre a natureza e a possibilidade do conhecimento verdadeiro como a socrática, a platônica, a aristotélica, a agostiniana, a cartesiana, a baconiana e kantiana, por exemplo; Na Unidade IV com a origem e nascimento da lógica com a dialética platônica e a formalização do pensamento lógico a parir de Aristóteles com os seus Silogismos, suas principais características, seus objetos, seus diferentes tipos como a lógica simbólica ou formal (dividida em lógica proposicional e lógica de predicados) e a lógica matemática (uma extensão da lógica simbólica em outras áreas), e aplicações nos ambitos da filosofia, da ciência e do conhecimento em geral; Na Unidade V com as questões relativas ao conhecimento como a percepção, a memória, a imaginação, a inteligência, a linguagem, o pensamento, a experiência, e as diversas problemáticas suscitadas no decorrer da história da epistemologia, desde o seu surgimento na modernidade até os dias atuais; Na Unidade VI com a origem, objetos de indagação, principais conceitos e as diferentes vertentes e tradições da metafísica até chegar àquilo que Chauí chama de “as mortes da metafísica” que ocasionam o surgimento da Filosofia pós-metafísica como a realidade puramente discursiva do sujeito do conhecimento;  Na Unidade VII com as discussões sobre a ciência ou atitude científica e as suas diferenças em relação às características do senso comum, diferenças entre ciências humanas e ciências da natureza, a passagem da ciência antiga para a ciência moderna, as mudanças e revoluções científicas e a perspectiva filosófica acerca do ideal científico; Na Unidade VIII com as reflexões sobre o mundo da prática, dos resultados e consequências expressas nas obras, feitos, ações, instituições, técnicas e ofícios do homem social, na cultura, na ética, na vida política, na consciência moral, no universo das artes e dos juízos estéticos, no exercício liberdade, em todas as subtemáticas provindas a partir de um processo de derivação destes objetos primários de reflexão como a cultura de massa ou  massificação cultural e a industria cultural, a experiência do sagrado ou a religiosidade como manifestação cultural, os fenômenos sociais da comunicação e da propaganda ou difusão e divulgação de ideias, valores, opiniões, informações para o maior número de pessoas no mais amplo território possível, a informática como revolução microeletrônica no modo de produção e transmissão de informações, os paradoxos da política no choques ideológicos, a criação do direito, a ideia de republica, soberania, tirania, monarquia, aristocracia, democracia, liberalismo, comunismo, socialismo, anarquismo, fascismo, nazismo, consciência de classes, a ideia de revolução, e as contribuições da Filosofia política no progresso da sociedade civil.  

Resenha: “O importuno”, de Carlos Drummond de Andrade.



“O Importuno”, ou seja,  aquele que se torna fastidioso com sua comparência, suas obsecrações, que enfada com seus atos reiterados ou despropósitos, nem sempre é o impertinente: Em uma das “70 historinhas” - uma compilação de contos de 1978 -, o poeta carioca Carlos Drummond de Andrade (1902 — 1987) trata de expor uma situação que trás em seu âmago o combustível para uma discussão digna de operosidade: se, por exemplo, há uma regra, ou um conjunto delas, alicerçando, exceptuando e admoestando as ações e/ou os modos de proceder de todos os integrantes de um determinado conjunto de pessoas, quando a maior parte desse grupo delibera (seja por que interesse for) infringir aquilo que foi determinado como princípio (seja de que maneira for) e, em contrapartida, um indivíduo opõe-se a eles na tentativa de “manter a ordem” fundada na expectativa de ser respeitada,  os importunos são os transgressores daquele sistema instituído, ou o indivíduo que transgride a transgressão coletiva?
Se a sociedade “é uma porção de pessoas juntas” e “só continua a funcionar porque muitas pessoas, isoladamente, querem e fazem certas coisas”, por que “ suas grandes transformações independem, claramente, das intenções de qualquer pessoa em particular”? A esta questão - derivada de um trecho do livro “A sociedade dos indivíduos”, escrito em 1987 pelo sociólogo alemão Norbert Elias (1897 — 1990) - cabe uma generosa atenção. É certo que a coletividade só é possível mediante a conjunção de individualidades. Por outro lado, um sujeito que se vale de seus próprios meios, insulado em sua autonomia, se se empenha em “fazer diferente” daquilo que está sendo feito, mesmo que esteja munido de boa fé, é mais exequível que seja fitado pelos demais como alguém que violou as normas sociais do que como um progressista, por assim dizer. Para o sociólogo norte-americano Howard Saul Becker (1928), esses indivíduos, os desviantes, são denominados “outsiders” - que em português pode ser transladado por algo semelhante a forasteiro, intruso ou estranho -, termo que dá nome ao seu livro “Outsiders – Estudos de sociologia do desvio”, escrito no ano de 1963. Becker vê o desvio como uma criação de grupos sociais e não como a qualidade de algum ato ou comportamento individual. Os desvios são, numa definição lacônica, a ação de ruptura que é rotulada como desviante por pessoas em posições de poder. No entanto, a depender da perspectiva dos agentes que compõem um determinado panorama, a condição de Outsider pode se deslocar de um agente para outro. O sociólogo emprega dois casos para ilustrar sua abordagem para a sociologia do desvio: a história das leis sobre o uso da cânhamo nos Estados Unidos e a vida dos músicos de Chicago (EUA). Em ambos os casos são demonstrados os conflitos viventes entre as regras como o reflexo de certas normas sociais mantidos pela maioria de uma sociedade e os caminhos alternativos seguidos pelos grupos sociais desviantes. Becker conclui “Outsiders” enfatizando a necessidade da pesquisa empírica para sua teoria. Neste ponto Peter Berger (1929) concordaria com ele: para o sociólogo austro-americano, o sociólogo, em posse de suas atribuições, “é uma pessoa que se ocupa de compreender a sociedade de uma maneira disciplinada. Essa atividade tem uma natureza científica. Isto significa: aquilo que o sociólogo descobre e afirma a respeito dos fenômenos sociais que estuda ocorre dentro de limites rigorosos.”, asseveração que pode ser encontrada no primeiro capítulo do seu livro intitulado “Perspectivas sociológicas: Uma visão humanística”.
Dito isso, quem dos personagens envolvidos no conto drummondiano pode ser considerado como um desviante beckeriano? Diríamos que ambos. Se o homem “indiferente, alienado, perguntando por um vago papel” dá vazão aos seus interesses particulares “em face dos interesses da pátria”, do ponto de vista dos que instituíram a conveniência de uma conduta em específico não haveria outra definição para o seu comportamento que não a de desviante social. Afinal de contas “A unidade pela diversidade” é, nesta e em outras circunstâncias em que esteja envolvido um grupo social, peculiaridade do que é relevante. Mas, depois de toda esta explanação, entendemos que se enxergarmos o ocorrido pela óptica daquele que foi ao recinto para ser atendido, perceberemos que os Outsiders na verdade são os fanáticos por futebol, contravertem a ordem regular para, excepcionalmente, satisfazerem seus interesses coletivos revestidos de individualidade.

Autor: Ailton Filho.

Resenha: A poesia em Aristóteles



A Poética é entendida por Aristóteles de duas maneiras diferentes. Por um lado, refere-se à arte como fabricação ou produção de instrumentos ou objetos para um propósito particular. Por outro, faz alusão às artes não utilitárias ou, simplesmente, belas artes. As últimas estão destinadas a produzir prazer ou agrado àquele que as experimenta em formato de música, poesia, dança, pintura ou escultura. A essência dessas artes é a imitação da realidade, o que gera prazer e admiração. É no segundo sentido que Aristóteles usa o termo poética em sua obra “Arte Poética”.  

Aristóteles argumenta que a poesia trágica, a comédia, a poesia ditirâmbica e aquelas que são acompanhados por flauta e cítara, têm em comum o fato de que ambas são imitações. No entanto, ele as diferem por três razões: em primeiro lugar, imitam por meios diversos; segundo, imitam objetos diversos; terceiro, imitam de maneiras diferentes. Os diferentes meios de comunicação utilizados para imitar são o ritmo, a palavra, ou linguagem, e a harmonia. Algumas artes se utilizam de todos esses meios, mas se diferenciam porque umas usam todos, outras alguns, outras o fazem simultaneamente e outras em diferentes momentos.   Em relação ao objeto imitado, os homens que o poeta imita podem ser melhores, piores ou iguais em sentido moral.

Segundo Aristóteles, a diferença entre a tragédia e a comédia é que a primeira representa melhor (bons e nobres) os homens que imita, enquanto a segunda os representa piores do que são. A terceira distinção que Aristóteles faz a respeito da forma de imitar, refere-se à diferença entre a poesia dramática e a épica. Na épica com os mesmos meios ou recursos para representar a mesma coisa, é possível falar dos fatos através de uma personagem (indiretamente) ou colocá-los na boca do autor (diretamente). Na dramática os imitados se apresentam como pessoas agindo por si mesmas, de modo que o autor está oculto.  

Para Aristóteles, a poesia surge a partir da existência de dois fatores ou causas naturais no homens: primeiro, a capacidade e tendência a imitar e apreciar as imitações; segundo, a capacidade de harmonia e ritmo. Os homens nobres e virtuosos imitam ações dessa mesma natureza. Enquanto os homens comuns fazem sátiras e paródias. Assim, os poetas nobres compõem tragédias e os mais vulgares comédias. A comédia procura imitar as traços mais ridículos e feios. A tragédia envolve todos os elementos da épica, mas a épica não envolve todos os da tragédia. A tragédia se diferencia do épico quanto à extensão, à sua natureza narrativa e ao tipo de metro que utiliza. Elas têm em comum o fato de que são imitações métricas de ações elevadas.

Em seguida, Aristóteles se concentra na tragédia e  a define como a imitação de uma ação elevada e perfeita, de uma extensão particular, através de uma linguagem ornamentada que tem ritmo, harmonia e canto em cada parte, por meio da ação, que conduz através da compaixão e do terror, à purificação dessas paixões. Segundo Aristóteles, os elementos essenciais ou qualitativos da tragédia são seis: a trama, os personagens, a linguagem, o pensamento, o espetáculo e o canto.  

Na continuação Aristóteles se dedica a tratar de cada um destes elementos. Quanto ao argumento, ele pode ser simples quando a ação é unitária, contínua e as mudanças ocorrem sem sem reconhecimento e sem peripécia. No entanto, a mudança no complexo ocorre pelo reconhecimento, por peripécia ou ambos. A peripécia é a transformação do ator em seu oposto, ou seja, quando uma ação lança o oposto do que você deseja alcançar. O reconhecimento refere-se à mudança que ocorre na passagem da ignorância ao conhecimento, que gera amor ou ódio nas pessoas. Isto pode ser de diferentes tipos. O primeiro tipo de reconhecimento é o menos artístico, que é o produto de uma marca. Isso pode ser natural ou adquiridos. A segunda forma de reconhecimento é o cenário para um poeta, que não é considerada artística. O terceiro tipo é produzido pela recordação ao ver alguma coisa, e o quarto provem de um silogismo.

A peripécia e o reconhecimento são os dois lados do argumento. Para Aristóteles, a mais bela trama de uma tragédia deve ser complexa, não é simples, representando acontecimentos terríveis e lamentáveis, características peculiares destas. As partes da tragédia podem ser divididas em prólogo, episódio, êxodo e coral. Estas peças são comuns à toda tragédia. No entanto, existem outras partes como a música cênica, por exemplo.  Os caracteres são o segundo elemento qualitativo da tragédia que apresenta Aristóteles. De acordo com ele, há quatro aspectos que devem ser levados em conta o respeito deles. É importante saber que com “caracteres” Aristóteles refere-se aos traços de personalidade ou de caráter das personagens. O primeiro é que sejam bons. O segundo é uma questão de adequação dos caracteres. Nesse sentido, não é apropriado para uma mulher ter um caráter viril e temível. O terceiro caractere é a semelhança e o quarto é a consistência.  

Toda tragédia tem meio e fim. Segundo Aristóteles, existem quatro tipos de tragédia: a complexa, a ntetética, a ética e a de entretenimento. Da mesma forma, você não pode construir uma tragédia com um sistema épico, isto é, uma pluralidade de relatos característicos da epopeia. No que diz respeito ao pensamento, Aristóteles não o põe em discussão, apenas se limitando a dizer que eles correspondem a todos os efeitos que pretendem atingir através de palavras ou de fala.

Em relação a linguagem, Aristóteles a dividiu em oito partes: elemento (letra), sílaba, conjunção, articulação, substantivo, verbo, caso e sentença. A virtude da linguagem é, para Aristóteles, ser claro sem ser trivial. A linguagem ou discurso não pode ser formado apenas por palavras simples, ou apenas com metáforas. Portanto, a tarefa do poeta é misturar ou combinar todos esses recursos linguísticos.    

Em relação à epopeia e à tragédia, estas têm em comum que os argumentos devem ser desenvolvidos de acordo com a exigência da tragédia, ou seja, de forma dramática. Estas dizem respeito a uma única ação perfeita e devem ter um começo, meio e fim. A  primeira se difere da segunda porque é clara e tem unidade de ação (narra uma só coisa, como a Guerra de Tróia, por exemplo). Enquanto isso, a tragédia pode contar uma multiplicidade de ações com um ou mais protagonistas.   

As partes da epopeia e da tragédia são as mesmas, exceto o espetáculo e o canto que correspondem ao último. Aristóteles enfatiza duas diferenças entre estes dois gêneros. O metro da epopeia é o hexâmetro, ou verso heroico, enquanto a tragédia utiliza nas partes recitadas os trímetros iâmbicos e tetratâmicos. Quanto à extensão, o limite da tragédia é marcado pelo período necessário para que se produza a peripécia. Para Aristóteles, a tragédia só se pode realizar uma ação de cada vez, sem espaço para cenas paralelas. A epopeia, ao contrário, suporta variações mais lexicais.  

Aristóteles concebe que, assim como o pintor, o poeta tem a tarefa de reproduzir imagens. Ao fazê-lo, o poeta imita a realidade de acordo com três modalidades. A primeira é a realista, segundo a qual o poeta apresenta as coisas como elas são no presente ou como eram no passado. A operativa e fantástica é quando o poeta representa coisas como o indivíduo ou a sociedade acha que eles são. O terceiro modo é o idealista, aqui o autor o apresenta como ele deveria ser.

Mais tarde, Aristóteles distingue excelência ética (sócio-político) de uma excelência literária e poética. Isto significa que uma obra literária do ponto de vista sócio-político pode ser amplamente aceita, no entanto, sem ser considerada como boa literatura e poesia, e vice-versa. O poeta pode cair em dois erros. Um de natureza substancial, quando não é possível imitar o que pretende imitar. O outro de caráter acidental, que se refere à falta de uma ciência ou arte determinada.   

Para alguns filósofos antigos, incluindo Platão, a tragédia era menos respeitável, uma vez que foi dirigida a um público inculto e vulgar. Em vez disso, a epopeia foi destinado a pessoas educadas, portanto, não precisa de recursos visuais, eram capazes de pensar, imaginar e abstrair. Aristóteles passa a apontar que a tragédia tem dois elementos que não se fazem presentes na epopeia: o espetáculo e o canto). Além disso, a unidade da epopeia é menos robusta do que a da tragédia. A tragédia é mais intensa conforme expressa diretamente e em primeira pessoa.

O Cinema e a Tragédia

Se pensarmos na tragédia como sendo “[...] a imitação de uma ação importante e completa, de certa extensão; num estilo tornado agradável pelo emprego separado de cada uma de suas formas, segundo as partes; ação apresentada, não com a ajuda de uma narrativa, mas por atores, e que, suscitando compaixão e terror, tem por efeito obter a purgação dessas emoções.” - como consta na tradução feita por Pietro Nassetti -, talvez seja possível estendermos a concepção aristotélica à contemporaneidade.

É certo que dentre os meios com os quais a tragédia é produzida, no século IV a.C Aristóteles não relaciona a arte cinematográfica. Desse modo, como o cinema seria tratado por Aristóteles? É a pergunta que faz o filósofo brasileiro Gonçalo Armijos Palácios faz no texto “Digressões sobre Aristóteles, arte e poesia”. Provavelmente a resposta a esta questão pode ser obtida no modo como filósofo grego trata da arte teatral em sua Arte Poética. Dito de outra maneira, deve haver filmes que refletem características arquetípicas da tragédia clássica. A forma de classificação do cinema, no entanto, sustenta Palácios, não deve se dá tal como acontece com o teatro, uma vez que se realizam por meios distintos, no entanto,tanto as comédias como as tragédias, ou os dramas em geral, podem ser levados a um cenário próprio e apresentados de formas diversas. Assim, se aplicamos o que diz Aristóteles sobre a comédia e a tragédia ao cinema, tanto filmes cômicos como os dramas se encaixariam na concepção do discípulo de Platão.” (PALÁCIOS, 2011).

Nesse sentido, a fábula medieval “A Filha de Töre em Vangél”, de 1673, pode ser considerada uma oba de arte. Da mesma forma, o filme “A Fonte da Donzela”, de 1959, baseado nesta fábula, segue o modelo relativamente preciso de como uma história dramática deve ser.

A Fonte da Donzela

Dirigido pelo sueco Ingmar Bergman (1918 - 2007) e roteirizado pela também sueca Ulla Isaksson (1916 - 2000), “A Fonte da Donzela” (Jungfrukällan) conta a história de uma típica família sueca do século XIV. A família vive em uma fazenda grande ao leste das montanhas, protegidos do frio e com um certo conforto. Herr Töre (Max von Sydow), o chefe da casa, e Märeta Töre (Birgitta Valberg), sua mulher, cuidam de Ingeri (Gunnel Lindblom) como se fosse uma filha, mas os cuidados são absolutamente inferiores aos da mimada e única filha Karin Töre (Birgitta Pettersson).

Uma característica marcante dos personagens é a religiosidade. Orações constantes, sacrifícios, costumes e valores demonstram um cristianismo fervoroso. Uma que parece não compartilhar da mesma religião é Ingeri, uma personagem curiosa, aparentemente revoltada, exala ódio do olhar aos gestos, clama por um Deus de nome Odin. Ela demonstra uma relação perturbada com Karin, com elementos que vão da cumplicidade à inveja. Enquanto Karin recebe um tratamento equivalente ao de uma princesa, cabe à Ingere o comprometimento com as tarefas domésticas a ela imputadas.

Com a benção do casal Töre, as duas iniciam uma viagem à igreja do outro lado da floresta para levar as velas da Virgem Maria que serão acesas na missa matutina em celebração à Sexta-Feira da Paixão. Montadas em seus cavalos, seguem o percurso. Num dado momento da jornada, Ingeri resolve subitamente desistir da viagem, alegando medo de prosseguir pela floresta escura. Antes disso, ela já havia comentado com Karin sobre os perigos que aquele lugar oferece. Karin, então, segue viagem sozinha. Ao ser auxiliada por um feiticeiro que reside em uma cabana no meio da floresta, Ingeri trás à tona o motivo de seu desespero: supostamente ela havia encomendado trabalhos a serem oferecidos à Odin por este homem, com o intuito de que algo de ruim acontecesse à Karin.

Em um ponto do trajeto, Karin esbarra com três irmãos que vivem na floresta pastoreando algumas cabras. Ela resolve então parar um pouco para oferecer-lhes algo para comer. Observando cada movimento de Karin estava Ingeri, escondida para que não fosse percebida. Os dois irmãos mais velhos deixam transparecer que tinham algo a mais além da fome, mas ingenuamente Karin serve-lhes pão, carne e queijo.  Eles comem, bebem, riem. No entanto, o que se viu a partir daí foi uma tragédia pousar sobre a menina Karin: os dois irmãos mais velhos estupram-na, roubam-na e matam-na logo depois. O irmão mais novo assiste às cenas de violência revestido de perplexidade, e Ingeri sem esbanjar uma reação que impedisse aquilo de acontecer, vendo ali o seu pedido feito à Odin se realizar.

Os homens fogem para longe, encontrando refúgio em uma casa grande. O que eles não sabiam é que trata-se justamente da casa da família Töre. São recepcionados por Herr, que não desconfia de nada. Convidados a juntarem-se à mesa e passarem a noite ali mesmo na sala de refeições. Em dado momento, um dos irmãos oferece à mãe de Karin vestes que diz ser de uma irmã recentemente falecida. No entanto, trata-se do vestido que Karin usara para viajar. Märeta se dá conta, com isso, de que algo de ruim havia acontecido à sua filha e que esses homens têm ligação direta com isso. Diz para eles que falará com o marido sobre a possível compra, não deixando transparecer o que sentira ao ver as roupas de sua filha ali. Comunicado sobre o ocorrido, o pai da menina providencia sua vingança. Prepara seu punhado e espera que os três despertem do sono. Após acordarem, entram em luta corporal com o pai, que acaba por matar os três, inclusive a criança.

Pai, mãe e demais familiares resolvem então buscar o corpo de Karin com a ajuda de Ingeri. Ao chegarem ao local do crime, se deparam com o corpo jogado sem vida ao chão, gerando uma comoção geral. O pai desabafa toda sua revolta aos céus, questionando a razão de tamanha tragédia. O filme é finalizado com a cena em que uma fonte de água surge abaixo do corpo de Karin, erguido antes disso por Märeta.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

A FONTE DA DONZELA. Jungfrukällan. Ingmar Bergman. Svensk Filmindustri. Suécia: 1959. EUA: Janus Films, 1982. DVD. 86 min, p&b.

ARISTÓTELES. Arte poética. São Paulo: Ed. Martin Claret, 2003.

PALÁCIOS, Gonçalo. Digressões sobre Aristóteles, arte e poesia. Jornal Opção, Goiânia, 27 fev. 2011. Nº 1860. Autor: Ailton Filho

Resenha: Platão e a poesia.


O último livro de A República começa com Sócrates retornando a um tema anterior, o da poesia imitativa. Ele reitera que, embora ainda contente por ter banido a poesia de seu Estado, pretende explicar as suas razões mais profundamente. Tomando uma cama como seu exemplo, Sócrates relata como no mundo existem três níveis em que ocorrem fenômenos: o primeiro e original é o nível de Deus, que cria a cama como uma ideia; o segundo é o carpinteiro que imita a ideia de Deus ao construir uma cama particular; o terceiro e último é o poeta ou, no caso, o pintor, que imita o imitador do Primeiro; ou seja, segundo Sócrates, uma cama feita por um pintor está três graus afastada da natureza, portanto, assim como o pintor, o poeta imita a realidade de uma forma muito distante de sua verdadeira natureza: "Desse modo, o autor de tragédias, se é um imitador, estará por natureza afastado três graus do rei e da verdade, assim como todos os outros imitadores." (PLATÃO, 2007)
O texto está configurado para iniciar um antagonismo entre o discurso poético em geral e o filosófico; e, então, gradualmente movê-lo e endurecê-lo para mostrar o verdadeiro e irredutível conflito entre a filosofia e a poesia trágica.
Homero é oferecido como um infortúnio. O grande poeta que Sócrates lamenta teria ajudado o seu país mais eficientemente se ele tivesse tido um papel político, uma vez que um artista como ele imita aquilo que não entende; o poeta canta sobre o sapateiro, mas ele sabe o comércio de sapatos? De modo nenhum. Imitação, diz Sócrates, é um jogo ou esporte; é brincadeira. Sendo o poeta um imitador da imitação, Sócrates defende: "os poetas fingem saber todos os tipos de coisas, mas realmente sabem nada". Considera-se amplamente que eles têm conhecimento de tudo o que escrevem sobre, mas, na verdade, eles não o fazem.
"Sendo assim não peçamos contas a Homero nem a nenhum outro poeta sobre vários assuntos. Não lhes perguntemos se um deles foi médico, e não apenas imitador da linguagem destes, que curas se atribuem a um poeta qualquer, antigo ou moderno, como a Esculápio, ou que discípulos eruditos em medicina deixou atrás de si, como Esculápio deixou os seus descendentes. De igual modo, no que concerne às outras artes, não os interroguemos, vamos deixá-los em paz." (PLATÃO, 2007).
Neste cenário, a poesia pode ser definida como um gênero literário que produz um discurso estético. Filosofia, por sua vez, pode ser definida como o amor pelo conhecimento e pela sabedoria, e produz um discurso racional. Podemos observar que a diferente natureza de seus discursos parece imensurável. No entanto, percebe-se que ambas produzem um discurso, e, por isso, aqui temos de nos perguntar se esses dois discursos têm o mesmo objeto. A noção de alteridade sustentada pela questão destaca sua diferença e distinção: são estas as marcas de uma oposição, ou que significa que eles se complementam em um objeto comum?
A mímese poética e o banimento da poesia
Estamos entrando em nosso primeiro momento de reflexão, onde poderemos ver que a poesia é o tema da severa condenação pela filosofia. Como vimos a princípio, a poesia tem sua razão de existir fora da filosofia, e, por isso, há um desacordo entre ambas. Devemos perguntar-nos o que é essa discordância. No livro Livro III de A República, Platão denuncia que a poesia não tem nenhuma preocupação com a verdade. A filosofia centra-se em "o que é", ou seja, é a verdade, já a poesia incide sobre "o que parece", isto é, aplica-se apenas à aparência das coisas. Por um lado, o poeta não exerce uma narrativa simples (diegese), exerce uma imitação (mimesis). Isso significa que ele tende a confundir e enganar o seu público-alvo. Além disso, uma vez que a obra do poeta é um mimesis, uma imitação, Platão define-o como "um criador fantasma". Por estas razões, a filosofia é, para Platão, soberana à poesia, e, por isso, as obras dos poetas deve ser controladas sob a autoridade dos fundadores da cidade.
"Precisamos, assim, ver se essas pessoas, tendo deparado com imitadores desta natureza, não foram enganadas pela contemplação das suas obras, não notando que estão afastadas no terceiro grau do real e que, mesmo desconhecendo a verdade, é fácil executá-las, porque os poetas criam fantasmas, e não seres reais, ou se a sua afirmação tem algum sentido e se os bons poetas sabem realmente aquilo de que, no entender da multidão, falam tão bem." (PLATÃO, 2007).
É certo que Platão não só expulsa conteúdos e autores específicos, mas as próprias formas poéticas. Em particular, a forma mimética. A análise mostra que a principal razão para isso está no fato de que valores como logo, independentemente de seu conteúdo, tem um caráter que não pode ser visto do ponto de vista moral, mas puramente estético, o que o opõem ao aparato ideológico no qual a pólis ideal se baseia. Daí a importância da análise de Platão, que não está tanto na avaliação da atividade poética, mas no desvendar estético da obra poética e seus efeitos sobre um programa político exposto cautelosamente ao longo de A República.
A parte racional da alma é calma, estável, e não é fácil de imitar ou compreender. Poetas imitam os piores partes, as inclinações que fazem personagens facilmente excitáveis e coloridos. Poesia atrai naturalmente para as piores partes da alma; desperta, nutre e fortalece estes elementos de base, enquanto há um desvio de energia a partir da parte racional.
Pela razão estabelecida no Livro X, que a poesia alimenta a busca do prazer e obscurece a parte do pensamento, do raciocínio da psique, ou seja, que é imitação do mundo sensível, provocando em nós conflitantes e opostas percepções, ao invés de orientar-nos pelo mundo inteligível de uma razão governado pela lei da (não-)contradição, a poesia corrompe até mesmo as melhores almas. Ela nos engana em simpatizar com aqueles que choram excessivamente, que cobiçam de forma inadequada, que riem de coisas vis. Ela ainda nos incita a sentir essas emoções básicas vicariamente. Achamos que não há vergonha em ceder essas emoções porque estamos entregando-as com respeito a um personagem de ficção e não com relação às nossas próprias vidas. Mas o prazer que sentimos em ceder a essas emoções em outras vidas é transferido para a nossa própria vida. Uma vez que essas partes de nós mesmos foram nutridos e reforçados, desta forma, eles florescem em nós quando estamos a lidar com nossas próprias vidas. De repente, nós nos tornamos os tipos grotescos de pessoas que vimos no palco ou ouvimos falar na poesia épica. Para Sócrates, inclusive, os poetas trágicos são os principais agressores quando se trata de nutrir essa parte da psique que atrai as emoções conflituosas e o engajamento apaixonado.
Apesar dos perigos claros de poesia, Sócrates lamenta ter que banir os poetas. Ele sente o sacrifício da estética agudamente, e diz que ele seria feliz para permitir-los de volta para a cidade se alguém poderia apresentar um argumento em sua defesa.
Filosofia e poesia em seus devidos lugares
No Livro X, Platão finalmente reafirma a educação baseada na filosofia em confronto com a educação baseada na poesia tradicional de motivações, por Platão anteriormente demitidas. Como vimos, Platão justificou a importância da filosofia e do filósofo, relevou a necessidade de definir o papel da filosofia dentro de orientações morais e construções éticas, e agora ele os exibe em relação aos seus rivais, os poetas, concluindo uma argumentação que reconduz esse papel para filosofia, uma vez que mostra, através de Sócrates, que a arte e a poesia se mostram afastadas da realidade:
"Era a esta conclusão que queria conduzir-vos quando dizia que a pintura, e costumeiramente toda espécie de imitação, realiza a sua obra longe da verdade, que se relaciona com um elemento de nós mesmos que se encontra afastado da sabedoria e não se propõe, com essa ligação e amizade, nada de saudável nem de real." (PLATÃO, 2007).
Os pronunciamentos sobre as artes se envolveram em um debate acadêmico que sobrevive até os dias atuais. Muitas sociedades têm de vez em quando adotado as idéias de Platão, a fim de defender a censura prática de certas manifestações artísticas, alegando que elas manifestam temas que são moralmente corruptores, que "enviam a mensagem errada" aos cidadãos cujo poder de raciocínio é fraco, na melhor das hipóteses, ou são facilmente manipuláveis. Um ponto de vista totalmente oposto pode ser adotado se pensarmos na arte como sendo essencialmente apolítica e amoral, e que, por isso, não deve ser colocada sob a alçada de qualquer censura; todavia é difícil de imaginar manifestações artísticas que não tenham sido influenciadas por questões morais ou políticas, seja no entorno de sua própria identidade estética, seja no sentido que carrega, ou até na expressividade, fruto da experiência do artista.


REFERÂNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PLATÃO. A República. São Paulo: Martin Claret, 2007
VILLELA-PETIT, Maria da Penha. Platão e a poesia na República. KRITERION, Belo Horizonte, nº 107, Jun/2003, p. 51-71. Autor: Ailton Filho

O PROBLEMA DOS UNIVERSAIS E AS RESPOSTAS DE BOÉCIO E ABELARDO




Assim como em todas as discussões em todas as diferentes épocas na história da filosofia, os debates envolvendo a questão dos universais foram das mais diferentes opiniões e, através delas, hoje temos consideráveis soluções provenientes de distintos filósofos ao longo do tempo.
O problema dos universais compreende a relação entre a ideia e a realidade, o sensível (voce e res) e isso nos leva a princípio à Grécia antiga, onde as primeiras indagações e afirmações a respeito das ideias estavam sendo postas. Não só Platão contribuiu com a formação do conceito de ideia, e com isso dando base para a futura problemática da universalidade, como também Aristóteles foi imprescindível com a sua obra Categorias. E foi a partir de uma passagem da obra Isagoge, realizada por Porfírio, às Categorias, que surgiu explicitamente o problema dos universais. Nessa passagem, Porfírio expõe que “sobre os gêneros e as espécies não direi aqui se subsistem ou se estão simplesmente no intelecto; e, no caso de subsistirem, se são corpóreos ou incorpóreos, separados das coisas sensíveis ou situados nas mesmas, exprimindo os seus caracteres uniformes”. Tendo em vista essa declaração, várias linhas de pensamento adotadas pela Escolástica a fim de solucionar esse questionamento começaram a surgir, dentre elas o realismo, o nominalismo e suas subdivisões.
Na posição de realismo, temos o realismo transcendente (ou platônico) e o realismo moderado (relacionado a Aristóteles). O primeiro implica na existência da universalidade como ideia antes da coisa (ante rem) e independe da matéria para existir, porquanto a matéria remete à imperfeição e ao finalismo, sendo só o mundo das ideias perfeito e eterno; na mesma medida que o segundo afirma que a universalidade está na coisa, do qual é essência. Ambos têm sua atuação na própria realidade, fora do pensamento.
O nominalismo, por sua vez, afirma que o universal não tem existência na realidade objetiva, no mundo sensível e que apenas são nomes dados às coisas e que só existem no intelecto.
No entanto, há uma via entre essas posições que é o intermédio entre o realismo e o nominalismo. Nela, afirma-se que a universalidade depende do real, da coisa para existir no intelecto, não obstante sem o intelecto não haveria universalidade nas coisas, e sim apenas individualidades.
A passagem sobre os universais na obra Isagoge de Porfírio obteve a atenção de Boécio, filósofo romano, personagem que viveu durante a transição entre o fim da antiguidade clássica e a ascensão da idade média. A sua tradução comentada da obra de Porfírio iniciou e fomentou os debates escolásticos sobre a questão dos universais.
Em suas obras, Boécio formula um problema relacionado à existência dos universais ao mesmo tempo em que fornece também uma teoria favorável à existência dos mesmos.
Sobre a inexistência dos universais, ele destaca a pluralidade dentro do uno, que por ter a multiplicidade em si, não pode ser um só. Para essa questão, ele se apoia em dois importantes princípios. O primeiro deles é o princípio da convertibilidade entre ser e uno: o ser, somente por existir, é uno, particular, e o conjunto deles é visto apenas como grupo ou série, não podendo ser extraído nenhum conceito de universalidade deles, porquanto são todos individuais em suas particularidades; o segundo princípio aborda a impossibilidade da divisão do universal, já que tudo que existe é numericamente uno, sendo ele um todo, completo e indivisível.
Outro argumento do filósofo contra a existência dos universais é o regresso ao infinito. A partir da constante multiplicidade nos gêneros e espécies, não havendo unidade numérica absoluta, seria impossível a existência de um gênero último (ou generalíssimo), que abrangesse todos os gêneros e não fosse contido por nenhum outro; assim como também não haveria uma espécie última.
Após a demonstração da possibilidade de inexistência dos universais, Boécio compartilha sua teoria da abstração que manifesta a conivência da existência dos gêneros e espécies nas coisas, mas estes enquanto conceitos não dependem das coisas para subsistir, apenas do intelecto. Para Boécio, os universais existem na realidade sensível e objetiva, mas são compreendidas independentes do corpo através do intelecto. Essa posição tomada por ele é tida como aristotélica, dentro do conceito de realismo moderado.
Segundo sua opinião, não há entendimento sobre o universal se não houver o objeto, o sujeito, visto que apesar de serem incorpóreos, necessitam do real para haver inteligibilidade; e as coisas dentro de uma mesma natureza
formal apresentam semelhanças essenciais, que, ao serem notadas pelo intelecto, são reunidas e forma-se a universalidade que remete à espécie. Por conseguinte, o essencial comum dentre as espécies levam à formação dos gêneros.
O parecer final e a solução apresentada por Boécio é a de que mesmo com a diferença numérica dos indivíduos, há uma semelhança no que diz respeito à essência que os reuni e forma uma unificação lógica, um conceito com base no uso da razão.
Agora voltando ao caminho da problemática e adiantando o passo na história até o século XII, encontramos outro filósofo inovador que apresentou soluções relacionadas ao problema dos universais que foram de extrema importância na história em relação aos universais. A originalidade nos pensamentos de Pedro Abelardo foi notória, ele dava ênfase ao uso da lógica mesmo nas questões teológicas, o que ia de encontro com o tradicionalismo da época.
Adepto fervoroso da dialética, Abelardo foi um mestre aclamado e prestigiado por seus discípulos, porém entrou em contradição com a maioria de seus mestres, inclusive Guilherme de Champoux, renomado realista dos universais e, mais tarde, Anselmo de Laon; foi discípulo de Roscelino, mestre nominalista.
No que diz respeito à questão dos universais, Abelardo responde os problemas apresentados por Porfírio, tendo como doutrina de pensamento o intermédio entre nominalismo e realismo, tomando pra si elementos de ambas as linhas a fim de montar uma própria. Referente ao tema gênero-espécie, ele não tem dúvidas quanto à universalidade dos mesmos. Todavia, questiona se esses universais existem apenas enquanto nomes ou se estão realmente nas coisas. Para Abelardo, a palavra seria a expressão de um objeto real, e que pra conhecer e reconhecer esse objeto, é necessário o uso do intelecto em conjunção com essas palavras, que fazem a ligação dos objetos às suas significações. Logo, para a primeira pergunta de Porfírio sobre a existência dos universais no mundo sensível ou se são apenas objetos de intelecção, ele afirma que os universais subsistem no intelecto, mas se referem aos seres reais.
A segunda questão sobre os universais estimulada em Isagoge é sobre a corporeidade ou não dos mesmos, no que Abelardo fornece uma resposta dupla: é corporal até onde vai à nominação e sua extensão através dos sons emitidos pela voz humana; e incorporal quanto aos significados, visto que estes servem para designar a pluralidade de indivíduos.
Uma terceira indagação de Porfírio expunha o quesito da existência dos universais nas coisas sensíveis ou fora delas e também tem dupla resposta. A primeira delas compreende a inexistência de alguns universais nas coisas do mundo sensível, já que são além da compreeção das nossas percepções sensíveis (exemplo: a alma); a outra, ao contrário, abrange tanto o mundo sensível quanto fora dele. Neste último caso, se analisarmos as formas dos corpos e extraíssemos os universais deles, que não só poderiam estar manifestados no plano sensível quanto também somente em ideia, através da abstração.
Houve outra questão, levantada pelo próprio Abelardo, que teve uma atenção considerável. Essa questão direciona para o seguinte: se não houvesse os indivíduos, haveria os universais? Para a solução desse problema, devem-se analisar os universais de duas formas: a significação enquanto nomes imediatamente referidos ao indivíduo e enquanto conceitos. Na primeira forma, os universais não teriam mais existência, já que não haveria indivíduos a serem significados; no entanto, na segunda forma, eles continuariam a existir, pois mesmo que não haja o indivíduo, o conceito não se perde.
A linha de pensamento que acabou tendo mais força nas discussões sobre a questão dos universais foi o nominalismo, já que o realismo dava vazão à atuação da teologia e por isso foi usada por alguns escolásticos que defendiam a concepção teológica do mundo, enquanto o nominalismo não. As correntes inclinadas a uma concepção nominalista eram consideradas heréticas pela Igreja por conduzir ao relativismo e ao ceticismo. No final do período escolástico, a filosofia já não se importava tanto com as questões de cunho teológico e estava se voltando para outros campos usando e explorando mais as capacidades racionais humanas. Neste sentido, os sistemas filosóficos de Epicuro, Guilherme de Ockham, George Berkeley, David Hume, John Stuart Mill podem ser descritos como nominalistas, pois não atribuem classes de universalidade transcendentes,  mas dão ênfase à pura construção do sujeito observador, assim como a análise linguística contemporânea. Autor: Ailton Filho

Resumo: A diferença entre impressões e idéias nas “Investigações Sobre o Entendimento Humano”, de David Hume.

Em suas “Investigações Sobre o Entendimento Humano”, David Hume começa por notar a diferença entre impressões e idéias. A primeira é a raiz de todas as idéias. Como descrito pelo filósofo, impressões são “[...] todas as nossas percepções mais vivas, quando ouvimos, vemos, sentimos, amamos, odiamos, desejamos ou queremos.” (HUME, 1999). Dito de outro modo, as impressões advêm dos nossos sentidos, emoções e outros fenômenos mentais. Já as idéias, ou pensamentos, são, segundo Hume, crenças ou memórias que têm suas naturezas definidas como sendo cópias das impressões. Para ele, nós construímos idéias de impressões simples de três formas: semelhança, contiguidade e causa e efeito. Acerca da última, Hume afirma que o nexo de causalidade é o resultado de nossa associação de idéias, uma observação habitual de certos fenômenos que apenas parecem ter tais relações. Ainda assim, ele observa que quando observamos repetidamente um evento na sequência de outro, nossa suposição de que estamos testemunhando causa e efeito parece lógica para nós. Na religião, por exemplo, adimite-se que o mundo opera em causa e efeito e que, portanto, conceber uma Causa Primeira, ou seja, Deus, é uma consequencia necessária. Na visão de Hume, o nexo de causalidade é assumido, mas em última análise, incognoscível. Desse modo, não sabemos se de fato há uma Causa Primeira ou um lugar para Deus.  Nós não sabemos, na verdade, de qualquer uniformidade, regularidade ou certeza no funcionamento da natureza. Nosso conhecimento é limitado às impressões e às idéias, e, por isso, não estamos em condições de afirmar a existência ou de objetos materiais ou de entidades espirituais.

Documentário “A análise de uma mente”: um comentário sobre a teoria da sexualidade Freudiana.


A partir das suas auto análises, ainda criança, Freud estudaria a si mesmo na tentativa de entender o funcionamento da psique humana. Ele mantinha diários onde anotava seus sonhos, posteriormente, já adulto, escreveria um livro sobre o assunto em que o intitularia de “Interpretação do sonhos”. Ainda hoje, o livro é visto como a mais importante obra da psicanálise; ciência que fundara após uma série de descobertas ridicularizadas pela sociedade da época.
Tomando como ponto de partida a premissa de que “ As doenças podem ser causadas pelas ideias”, Freud cuidava de pacientes histéricas , isto é, com algum tipo de limitação mental. Essa cura se dava através da sugestão hipnótica. Tal método ficou famoso através do caso de Ana O, paciente de Freud curada pela livre associação.
O sexo, dizia Freud, era a raiz da histeria e das neuroses. Pacientes que eram abusadas ainda na infância tenderiam a desenvolver o problema quando adultas. Por outro lado, quando o homem é privado de sexo com sua mulher, corre o risco de contrair a neurose. Nesse sentido, o sexo se mostrava a maior força presente no psiquismo humano.
O complexo de Édipo, descrito no documentário, assinala que o primeiro impulso sexual da criança é direcionado para a mãe. Com isso, Freud era chamado de pornográfico. Excerto por alguns judeus, sua ciência não era levada à serio.

Com a descoberta de um inconsciente, teria de haver uma estrada que nos conduzisse a ele. Dessa maneira poderíamos descobrir as origens das doenças. Essa estrada, para Freud, eram os sonhos, mas também poderia se dá com a livre associação em que o paciente fala qualquer coisa sem censura. Julgar o que se diz nesse estado de consciência moralmente não ajudaria ninguém, era por isso que Freud precisaria tornar suas descobertas científicas, amorais, pois, na medida em que a ciência se torna verdadeira, ela é incorporada, com o tempo, aos nossos valores sociais. Infelizmente, na época de Freud, muitos o marginalizaram pois o que descobria era incompatível com o conservadorismo vigente. De fato, esse conservadorismo da nossa cultura na época de Freud seria responsável pelo mal estar, descrito em outra obra de Freud.

Tabagismo: uma obviedade urgente.



O tabagismo é um problema de saúde pública. Os fumantes sofrem os efeitos do cigarro sem perceber. Isso porque, ao inalar a fumaça do cigarro, este cumpre o papel de dopar o usuário. Dessa maneira, não há dor física e sim um alívio instantâneo.
Ao fumar, o cérebro do tabagista libera dopamina, ou, o hormônio da felicidade, como é conhecida. Essa alquimia ocorre, pois o cigarro, após certo tempo de fumado provoca abstinência. Esse mal estar sinaliza para o fumante que ele precisa de mais nicotina (substância mais viciante já descoberta pelo homem). O que o fumante não percebe é que o que ele sente como sendo o prazer de fumar um cigarrinho é na verdade o alívio que sente por repor a substância, ou seja, o cigarro é o antídoto para um sintoma que ele próprio causa: a abstinência, que é também descrita como fissura e que vem acompanhada por ansiedade, irritabilidade e depressão. É uma verdadeira armadilha que faz com que dependamos de algo que mata milhões de pessoas por ano em todo o mundo.
Por de trás disso, se esconde uma poderosa arma da sociedade capitalista. A realidade é que o cigarro é uma droga que causa tantos danos à saúde pública como qualquer outra droga conhecida. O que a separa das demais drogas é justamente seu caráter legal.
Segundo estimativas de 2011 da associação dos fumicultores do Brasil, o governo fatura, em média, 16 bilhões de reais por ano com a venda do cigarro. Mas será que a vida do cidadão tem preço? Não podemos deixar de notar que o governo lucra com a morte, e com a doença. Esse vício é responsável por vários tipos de câncer. Dentre eles, de bexiga, de fígado, de cérebro, e, é claro, de pulmão. A maior incidência de câncer de pulmão em fumantes está longe de ser por acaso. Isso porque o cigarro, quando aceso, é inalado e isso se dá por asfixia voluntária. Ou seja, o fumante se auto asfixia quando fuma. De maneira análoga, é como se o fumante colocasse a boca em um cano de escapamento de um carro ligado e colocasse aquele gás para dentro de si. O gás que sai do cano de escapamento é o mesmo que sai do cigarro aceso, é o chamado “monóxido de carbono”. Ao colocar a fumaça para dentro do pulmão, este absorve o gás venenoso que saí do carro. O monóxido de carbono se liga à receptores de oxigênio no sangue e o substitui. Leva, pelo menos, duas horas para que o monóxido de carbono abandone o corpo do fumante. Enquanto isso, o corpo sofre com a falta do ar primordial que o constitui, sem o qual não existiria ou se desenvolveria. Com isso, o cigarro, gradualmente, deteriora a saúde das pessoas que fumam até que elas deixam de ser clientes porque ficam gravemente doentes ou porque morrem. Quando isso acontece, as indústrias do cigarro precisam de mais clientes, então tentam enganar quem menos sabe, colocando seu produto próximo a doces e balas em estabelecimentos de conveniências, por exemplo, quando o alvo principal são as crianças. Assim, o ministério da saúde atualmente classifica o tabagismo como uma doença eminentemente pediátrica.
O cigarro não possui ser: nós somos aqueles que o damos vida. Ele não pode pagar pelo que causa. Quando flagramos um traficante vendendo drogas, quem é responsabilizado? Bom, ao prender o traficante, é natural que se chegue, através do seu testemunho, ao seu chefe. O chefe, geralmente, é aquele que mais lucra com a venda do produto, e por outro lado, o vendedor ganha apenas uma comissão. Como vimos, o chefe por trás da venda dos cigarros é o governo, que, assim como o Deus Saturno, come seus próprios filhos.

A palavra bala possui dois sentidos, ou ela é um doce ou ela faz parte de uma arma que pode matar a qualquer momento. O cigarro pode ser essas duas coisas: o que não podemos é sentir alívio quando levamos um tiro.

A Mística do Nada em "Um Sopro de Vida", de Clarice Lispector: Um paralelo com Dionísio, o pseudo-Areopagita.


I. Considerações Iniciais.


A literatura de Clarice Lispector assume uma condição em que o que é intrinseco à obra de arte é contemplado, em última instância, não no que lhe é restritamente palavra, mas também sob a forma da imprescindível abdicação da matéria-prima literária que impulsiona o movimento paradoxal realizado a partir do que denominamos “silêncio”. Há na ausência o resultado de um esforço pela representação do que somente é indicado quando afastado do monolítico conjunto de princípios que regem o funcionamento da língua portuguesa; quando singularizado na composição realizada sob o livre modelar da matéria escritural; quando apartado de uma leitura esquemática habituada às estratégias associadas à literatura, ou ao que, em geral, considera-se “literário”. A busca pela agnominação do que está para além do código verbal – que sentencia sua escrita a atravessar os sentidos dos termos do invólucro da normatividade ao terreno das hipérboles, dos pleonasmos, dos oximoros, das redundâncias, dos paradoxos, das alusões irônicas e das plurissignificações – faz de sua escrita uma constante tentativa de articular o inarticulável por intermédio de sucessivas aproximações; de captar o que só é dito no “fracasso” da linguagem consentâneo à reivindicação de seu uso pleno. A isto que se localiza oblíquo ao que se apresenta imediatamente aos sentidos pelo texto, cabe aqui dedicarmos atenção, buscando no índice textualizado o que a ele subsiste enquanto sentido abstrato e o que nele corrobora para um ponto de vista em que o cunho místico da escrita clariciana é observado.
Contudo, fazer clarear por qualquer outro viés que não o literário Aquilo que é percebido em posição espectatorial na relação do sujeito com a obra de arte, é um trabalho que aduz suas fronteiras na própria linguagem. Se a “palavra secreta” que a escritora carrega no íntimo de uma porção de folhas brochadas fosse de fato transladável, teria, ao menos, uma outra palavra fora de seu âmago original, a literatura, que a designe em sua integralidade. Realizaríamos aqui, se assim fosse, uma atividade equivalente aos procedimentos matemáticos, que consistem essencialmente em examinar propriedades de seres abstratos e as relações estabelecidas entre eles. É certo que a nossa tarefa requer algum outro método, sobretudo porque o objeto aqui analisando tem sua natureza dita no que é posterior à possibilidade de uma articulação axiomática, o que nos sentencia, no maior dos esforços, a um modesto abeiramento da mesma. Dessa forma, podemos resumir nossas pretensões nos seguintes termos: encontrar em Clarice Lispector a chave hermenêutica que a aproxime de uma descrição teologicamente sistematizada da realidade por ela expressa literariamente. Para tal, adotamos uma postura critico-interpretativa frente à ficção Um Sopro de Vida: pulsações à luz da teologia mística de Pseudo-Dionísio, o Areopagita, interessando-nos no que há de mais substancial na obra lispectoriana e procurando confrontar esses elementos com os conceitos presentes no tratado Sobre a Teologia Mística para Timóteo.

II. Uma visão geral da obra.


Em Um Sopro de Vida a narrativa é discorrida pelo ponto-de-vista de um escritor acerca do qual temos pouca informação. O que se nota à primeira vista é que trata-se de alguém coagido a escrever por uma íntima ordem de comando, como se fosse para salvar a vida de alguém. O tom de obrigatoriedade anuncia a azáfama pretensiosamente lúcida do Autor, pondo o leitor em um estado nebuloso, mas, ainda assim, especulativo, como se ele soubesse de algo que não sabemos; como se ansiasse trazer a público a descoberta de algo até então encoberto: “Cheguei finalmente ao nada. E na minha satisfação de ter alcançado em mim o mínimo de existência, apenas a necessária respiração – então estou livre. Só me resta inventar.”. Mesmo apontanto para o que debalde se empenha a dizer, o que resta das primeiras páginas do texto é a inevitável necessidade de encontrar algum arrimo que suporte instrumentalmente aquilo que custa fazer-se compreensível em primeiro plano. Para isso, a composição de um personagem, isto é, a criação de uma realidade autônoma que o permita, enfim, falar, é consequente: “a solidão, a mesma que existe em cada um, me fez inventar.”.
Diante da tarefa de tornar difusível o que se manifesta em mistério, o recurso socorrista adotado tem o nome de Ângela Pralini: uma mulher de 34 anos, um metro e setenta de altura e nascida no Rio de Janeiro - dados imbuídos de aleatoriedade, o que não é por acaso: essas informações, na verdade, importam à dinâmica funcional que a personagem desempenha justamente na medida em que não se relacionam com esta. Mesmo burocraticamente identificada, pode-se dizer que Ângela tem a sua natureza extrabiográfica revelada na razão pela qual foi projetada: “Escolhi a mim e ao meu personagem – Ângela Pralini – para que talvez através de nós eu possa entender essa falta de definição da vida.”. Neste que agora é um livro sobre Ângela, o interesse do Autor se mistura com a forma assumida pela protagonista nos instantes em que a incerteza das palavras que ele usa para criá-la estabelece uma relação selada pela intersubjetividade dos dois, impressa no texto como um binômio que deve ser visto simultaneamente: “Ei-la falando como se fosse comigo mas fala para o ar e nem sequer para si mesma e só eu aproveito do que ela fala porque ela é de mim para mim.”.
Munido de Ângela, a ânsia do Autor é pela representação. Com ela, a esperança é que a turvação do que é original ao terreno límpido e da pura informação se esvaíra em desembaço na interação “dialógica” dos “dois”: separados por uma necessidade artística, mas unidos pela própria natureza do ato de criação. Diz o Autor: “Ângela é minha reverberação, sendo emanação minha, ela é eu.”. Nascida na palavra, Ângela é o ofegante Sopro de Vida de seu Autor; o ato que o representará; a condução para se chegar ao fim que agora também é o dela: “Eu quero atingir o mais íntimo segredo daquilo que existe”.
Do entrave à chave para a revelação numinosa do que há de mais escondido, as peculiaridades dos protagonistas se mostram a si mesmas de modo a compelir o que surge dessa relação: “O livro de Ângela”, sobre o qual falaremos mais a diante.

III. A intratextualidade.


A atitude criadora de Clarice encontra a ligação simpática com seus heterônomos na medida em que se aproxima do núcleo rudimentar enunciado na estrutura narrativa pela interdependência característica dos protagonistas. É possível enxergar esse vínculo criador-criatura desenvolvido por Clarice na formação das partes constitutivas de sua rede sêmica, como um movimento que extrapola o mundo comum onde se ficciona, visto em Um Sopro de Vida como extensão da natureza própria à escritura transfigurativa que o produz. Diz Ângela:

O objeto – a coisa – sempre me fascinou e de algum modo me destruiu. No meu livro “A Cidade Sitiada” eu falo indiretamente no mistério da coisa. Coisa é bicho especializado e imobilizado. Há anos também descrevi um guarda-roupa. Depois veio a descrição de um imemorável relógio chamado Sveglia: relógio eletrônico que me assombrou e assombraria qualquer pessoa viva no mundo. Depois veio a vez do telefone. No “Ovo e a Galinha” falo no guindaste. É aproximação tímida minha da subversão do mundo vivo e do mundo morto ameaçador.”.

Certamente um leitor que se debruce sobre Um Sopro de Vida com alguma outra experiência de leitura em Clarice deve notar sem maiores dificuldades que na passagem acima A Cidade Sitiada, romance escrito por Clarice Lispector no ano de 1949, tem sua autoria auto-atribuída por Ângela no presente histórico. Tal-qualmente, a descrição de um guarda-roupa pode ser vista em A Paixão Segundo G.H, de 1964, assim como a do relógio Sveglia, descrito por Clarice em O Relatório da Coisa, presente em um compilado de crônicas, contos e produções ficcionais intitulado Onde Estivestes de Noite, de 1974. No mesmo sentido, o telefone – uma alusão ao História de Coisa – e o guindaste de O Ovo e a Galinha, aparecem no trecho como formas que Ângela diz ter encontrado para falar da chamada coisa.
Além disso, o Autor, tal como sua personagem, diz já ter se referido à coisa em um outro momento: “Mas quando essa coisa silenciosa e mágica se avoluma demais a gente desrespeita a lei e grita. Não é um grito triste não é um grito de aleluia também. Eu já falei isso no meu livro chamando esse grito de 'it'”. Há nesse parágrafo a referência a uma outra ficção de Clarice: Água Viva, publicada em 1973, na qual a escritora trata do apenas aparente verbo de ligação “it”.
Neste cenário, também não exigirá muito do seu esforço apreender o efeito instaurado implicitamente a partir do que se apresenta explícito nas citações: a necessidade de transbordamento autoral como recurso representativo da autoimagem no ambiente virtual do texto que determina a interação consubstancial dos personagens, é a paródia da própria operação textual clariciana, metonimizada na narrativa a partir do que Nolasco chama de um “fictício de identidade” autoral. O espelhamento da própria obra se configura no paralelo entre os polos ficcionais e autorais presentes respectivamente no processo de construção, desconstrução e reconstrução da palavra – desenvolvido pelos personagens – e no complexo clariciano formado pelos elementos que se correlacionam na constituição de um enfático sistema de linguagem pautado no mesmo princípio.
Uma vez reconhecida a natureza bilateralmente similitudinária do contato fixado entre Clarice e sua produção, podemos dizer que assim como quando falamos de Ângela também estamos falando de seu Autor, sempre que mencionamos um, outro ou ambos é certo que devemos estar nos referindo indiretamente à origem de onde proveem, isto é, Clarice Lispector. Nesse sentido, a conclusão é aqui entendida como o ponto que determina o tom confessional – no sentido de revelação – do exercício existencial-literário clariciano, no qual os conflitos para a expressão do que resiste em mistério, contrafazem-se sob o irônico disfarce literário e nos orientam para a necessária introspecção da experiência mais adiante minuciada.
Partindo dessas considerações, podemos nos concentrar no produto final da criação clariciana, no qual os pontos de aproximação com a teologia mística do pseudo-dionínio estão mais bem definidos: “O Livro de Ângela”, capítulo que “encerra” seu monumento literário.

IV. A pseudo-representabilidade divina.


Clarice, portanto, escreve um livro sobre alguém que escreve um livro sobre alguém que escreve um livro, e, como é característico de sua escrita, nesse último, o livro de Ângela – que o Autor intitula “História das Coisas (Sugestões oníricas e incursões pelo inconsciente)” –, a escritora deve a elevação da expressão aos seus limites últimos à autonomia com a qual sua personagem Ângela exerce a função verbalizante, longe de qualquer princípio castrativo que a prive de valer-se de seus próprios padrões (ou da ausência destes). Trata-se de um livre estudo da “coisa”, desenvolvido por Ângela a partir da invocação dos sentidos extremos dos termos. O Autor comenta: “Para quem escreve, uma idéia sem palavras não é uma idéia. Ângela é cheia de pré-palavras e desmaiadas visões auditivas de ideias. Meu trabalho é cortar o seu balbucio e deixar anotado apenas o que ela consegue gaguejar.”.
O meio pelo qual a “coisa” nos é gaguejada é a composição de quinze pequenos contos que ocuparão boa parte do livro da agora personagem/escritora. São eles: “Mulher-Coisa”, “Mãe-Coisa”, “Biombo”, “Estado de Coisa”, “O Indescritível”, “Caixa Preta”, “A Casa”, “O Relógio”, “Gradil de Ferro”, “O Carro”, “Vitrola”, “Borboleta”, “Lata de Lixo”, “A Jóia” e “Elevador”. Cada um dos quinze contos norteia-se pela intenção comum de ressonar o chamado “estado de ser” dos objetos, a verdade latente das coisas e dos seres e a conaturalidade entre suas perfeições e o que delas se faz causa. Esta abordagem da “coisa” aponta para um modo de teologar descrito por Pseudo-Dionísio em seu tratado ao expor a noção de teologia positiva, afirmativa ou catafática (gr. κατάφασις = afirmação). Considera-se nessa perspectiva a causa transcendente como causa manifesta e revelada de todos os seres, isto é, princípio do qual todos os seres emanam e no qual tudo está contido por filiação e em congruência, estabelecendo as divinas atribuições às criaturas conforme semelhança. Começando do que é uno às multiplicidades dos seres, as metonímias, imagens e ornamentos acerca da causa altíssima são formadas em proximidade à altura da excelência da trindade supra-essencial, descendentes desta que são. Contudo, as imagens usadas para designar aquele que estabeleceu as trevas como seu esconderijo, inadequam-se inevitavelmente a este propósito, uma vez que mesmo concebidas essas qualidades em seus graus máximos, a realidade para a qual se dirigem sempre extrapolará qualquer tipo de identificação. Diz Pseudo-Dionísio: “É necessário, no que diz respeito à causa transcendente, estabelecer e afirmar todas as atribuições dos seres, enquanto ela é causa de tudo, e principalmente, negar todas elas, enquanto ela está supra-essencialmente acima de tudo”.
Nesse sentido, a constatação de uma falsa ordem, fragmentária e desconexa da distribuição onírica das palavras, crescida em resposta à aquiescência indiferente à nitidez pelo Autor exigida em seu permanente exercício de clareza –, o leva a estabelecer o já nas entrelinhas balbuciado conflito criativo. Ele nos diz:

Descobri por que soprei na carne de Ângela, foi para ter a quem odiar. Eu a odeio. Ela representa a minha terrível fé que renasce todos os dias de madrugada. E é frustrador ter fé. Odeio essa criatura que simplesmente parece acreditar. Estou enjoado de seu Deus vazio que ela preenche com êxtases nervosos.

O Deus vazio, o Deus-palavra de expressões abundantes, mostra-se aqui tão inadequado quanto as imagens pseudo-elevadas daqueles que dizem amalgamar nas ímpias formas e nos positivismos redutores o longínquo daquilo que no totalmente intangível e invisível, suprapreenchem de esplendores suprabelos as inteligências sem olhos.

V. A irrepresentabilidade divina.


Na objeção a um discurso ao revés, prolixo e tartamudeante, a busca pela sistematização, movida por uma resistente ambição artística, o leva a encontrar uma via inversa de ascensão que culmina na forçosa desistência da palavra. O retrato do abandono aos mecanismos de significação é a página em branco deixada pelo Autor sem numeração entre as outras 134 e 136, sobre a qual podemos nos valer da seguinte observação do professor Dany Al-behy Kanaan: “A desistência-deserção da linguagem assinala uma relação de plenitude, na qual a realidade é captada sem artifícios, pondo em comunhão direta ser e coisa”. Ao discorrer sobre este que é o “ponto tenro e nevrálgico” da palavra na obra de Clarice, Kanaan aponta para aquilo que o Autor circunspectamente reconhece:

[...] Há um encontro meu e dessa coisa vibrando no ar. Mas o resultado desse olhar é uma sensação de oco, vazio, impenetrável e de plena identificação mútua. Deus me perdoe creio que estou divagando sobre o nada. [...] Nesse vácuo do nada inserem-se fatos e coisas. O que se vê nesse modo de tornar tudo absolutamente do estado presente, o resultado não é mental: é uma forma muda de sentir absolutamente intraduzível por palavras..

Ante ao mencionado “absolutamente intraduzível por palavras”, o irremissível deixar de ser da personagem Ângela se faz paulatinamente, até que se termine. No fracasso da linguagem, no negar e renegar à personagem, o discurso nos orienta para a segunda parte da distinção metodológica que Pseudo-Dionísio estabelece entre a primeira, teologia positiva, e esta que é a teologia negativa ou apofática (gr. ἀπόφασις = negação). Nesta segunda abordagem, a busca pelos termos que digam sobre Deus para além do Deus em si, deixa de se fazer pela articulação das qualidades do substantivo e se realiza na negação dos adjetivos que d'Ele não participam, isto é, no Deus descrito justamente como sendo aquilo que não é; entende-se, portanto, a causa transcendente exatamente na sua absoluta transcendência, isto é, na separação ontológica desta com seus efeitos exatamente pela ausência de semelhança tanto com os seres mais ínfimos, quanto com os mais elevados. Se alí, na primeira, perquirimos por um caminho imperfeito para o conhecimento do originário, no caminho apofático somos conduzidos à ignorância completa e perfeita, conforme a natureza incognoscível, intangível e invisível do inefável. Com efeito, dar-se plena conta disto, de que de Deus, de sua existência e de sua essência, temos um saber do não saber, implica que estarmos ante Ele, é estarmos sempre ante um ser que nos sobrepassa em todos os sentidos e medidas; que, portanto, não podemos objetivá-Lo, ajustá-Lo às nossas necessidades ou desejos e fazer d’Ele um ídolo.
No reconhecer do necessário negar, no prescindir do código verbal, o Deus como o nada de tudo aquilo que é – sobre o qual sabemos mais o que não é do que o que é e que, em última análise, sequer “Deus” é – nos obriga a abrir as possibilidades de contemplação a uma outra forma de conhecimento: a do desconhecimento místico, terceira da tripla via dionísica de acesso à realidade ancestral a tudo.

VI. O silêncio místico.


Possesso por ignorância total, ao Autor o silêncio é, então, o que resta. Não haveria como ser de outro modo. Diz o pseudo-dioísio: “[...] quanto mais levantarmos os olhos para o alto, tanto mais as palavras são envolvidas pela visão de conjunto dos inteligíveis, assim também, entrando agora na bruma acima da inteligência, encontraremos não brevidade de palavras, mas falta absoluta de palavras e pensamento”.
Referindo-se ao romance “A Paixão Segundo G.H”, João Alfredo Montenegro bem observa o papel do silêncio e o seu emprego na obra de Clarice: “O silêncio, edificado na contemplação, na fina intuição, é mais penetrante e remove os obstáculos colocados, redimensionando no conhecimento autêntico as estruturas ontológicas”. Em “Um sopro de vida” não é diferente. Assim como na obra de 1974, O “verdadeiro silêncio” é aqui visto como parte final de um processo que, uma vez completado, congrega em si, em íntegra e global comunhão, aquilo que o pseudo-dionísio explicará outrora em sua teologia mística: “Assim, no êxtase puramente irresistível e livre, fora de si mesmo e de tudo, serás elevado para o raio supra-essencial da treva divina, tendo afastado tudo e de tudo tendo-se libertado.”.
No abandono de todas as coisas, na superação das dualidades, no desconhecimento libertador e no esquecer-se nadificante, a contemplação mistica daquilo que está para além dos seres, dos atributos, das supressões e de todas as coisas criadas, deixa-se de se fazer nas privações positivas e negativas, e se dá na pura irresistibilidade extática e silenciosa da intimidade mística, numa experiência direta, passiva e unitiva. Nadificado, conclui o Autor na última página do livro: “Quanto a mim também me distancio de mim. Se voz de Deus se manifesta no silêncio, eu também me calo silencioso. Adeus.”.

VII. Considerações finais.


É certo que não há aqui a intenção de afirmar igual natureza aos discursos literário e teológico, tendo em vista suas especificidades que garantem, inclusive, que essa distinção se faça necessária. No entanto, o objeto sobre o qual ambas as abordagens aqui analisadas se dedicam a explorar, nos parece – pelas razões aqui expostas – o mesmo, todavia, formulado a partir seus métodos próprios. Nesse sentido, a aproximação teórica entre os dois discursos – ainda que por quinze séculos separados – é observada não em seus meios, mas em seus fins.
Como foi visto, a problemática da linguagem, de seus limites e possibilidades para a caracterização de Deus, é o fio que conduz tanto a trajetória literária dos personagens claricianos, quanto a teologia do Pseudo-Dionísio. Vimos também que em Um sopro de vida esse caminho é  trilhado conforme etapas de um processo são superadas, dando início às seguintes e culminando no silêncio absoluto como enaltecimento superlativo. Com o estudo do Pseudo-Dionínisio pudemos nos dar conta de como essa mesma estrutura se mostra na exposição da tripla via de acesso a Deus, em como a teologia negativa supera a positiva e em como a teologia mística supera as duas. Para que a aproximação se dê nas devidas proporções, abordamos a questão da intratextualidade na obra de Clarice, a fim de que os resultados obtidos contribuam para uma interpretação em que o que é comum à ficção se extenda, em certa medida, à realidade projetante, de modo que a linha tênue que separa Clarice de sua obra se apresente em paralelo à que separa a experiência mística introspectiva de seu relato.
É sob este aspecto que o diálogo interdisciplinar entre a literatura e a teologia aqui proposto vem a contribuir não para uma resinificação do fenômeno literário pela teologia ou vice-versa, mas para a abertura das possibilidades de contemplação conjunta dos fenômenos humanos entendidos em suas particularidades e abordados segundo estas.

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