quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Resenha: “O importuno”, de Carlos Drummond de Andrade.



“O Importuno”, ou seja,  aquele que se torna fastidioso com sua comparência, suas obsecrações, que enfada com seus atos reiterados ou despropósitos, nem sempre é o impertinente: Em uma das “70 historinhas” - uma compilação de contos de 1978 -, o poeta carioca Carlos Drummond de Andrade (1902 — 1987) trata de expor uma situação que trás em seu âmago o combustível para uma discussão digna de operosidade: se, por exemplo, há uma regra, ou um conjunto delas, alicerçando, exceptuando e admoestando as ações e/ou os modos de proceder de todos os integrantes de um determinado conjunto de pessoas, quando a maior parte desse grupo delibera (seja por que interesse for) infringir aquilo que foi determinado como princípio (seja de que maneira for) e, em contrapartida, um indivíduo opõe-se a eles na tentativa de “manter a ordem” fundada na expectativa de ser respeitada,  os importunos são os transgressores daquele sistema instituído, ou o indivíduo que transgride a transgressão coletiva?
Se a sociedade “é uma porção de pessoas juntas” e “só continua a funcionar porque muitas pessoas, isoladamente, querem e fazem certas coisas”, por que “ suas grandes transformações independem, claramente, das intenções de qualquer pessoa em particular”? A esta questão - derivada de um trecho do livro “A sociedade dos indivíduos”, escrito em 1987 pelo sociólogo alemão Norbert Elias (1897 — 1990) - cabe uma generosa atenção. É certo que a coletividade só é possível mediante a conjunção de individualidades. Por outro lado, um sujeito que se vale de seus próprios meios, insulado em sua autonomia, se se empenha em “fazer diferente” daquilo que está sendo feito, mesmo que esteja munido de boa fé, é mais exequível que seja fitado pelos demais como alguém que violou as normas sociais do que como um progressista, por assim dizer. Para o sociólogo norte-americano Howard Saul Becker (1928), esses indivíduos, os desviantes, são denominados “outsiders” - que em português pode ser transladado por algo semelhante a forasteiro, intruso ou estranho -, termo que dá nome ao seu livro “Outsiders – Estudos de sociologia do desvio”, escrito no ano de 1963. Becker vê o desvio como uma criação de grupos sociais e não como a qualidade de algum ato ou comportamento individual. Os desvios são, numa definição lacônica, a ação de ruptura que é rotulada como desviante por pessoas em posições de poder. No entanto, a depender da perspectiva dos agentes que compõem um determinado panorama, a condição de Outsider pode se deslocar de um agente para outro. O sociólogo emprega dois casos para ilustrar sua abordagem para a sociologia do desvio: a história das leis sobre o uso da cânhamo nos Estados Unidos e a vida dos músicos de Chicago (EUA). Em ambos os casos são demonstrados os conflitos viventes entre as regras como o reflexo de certas normas sociais mantidos pela maioria de uma sociedade e os caminhos alternativos seguidos pelos grupos sociais desviantes. Becker conclui “Outsiders” enfatizando a necessidade da pesquisa empírica para sua teoria. Neste ponto Peter Berger (1929) concordaria com ele: para o sociólogo austro-americano, o sociólogo, em posse de suas atribuições, “é uma pessoa que se ocupa de compreender a sociedade de uma maneira disciplinada. Essa atividade tem uma natureza científica. Isto significa: aquilo que o sociólogo descobre e afirma a respeito dos fenômenos sociais que estuda ocorre dentro de limites rigorosos.”, asseveração que pode ser encontrada no primeiro capítulo do seu livro intitulado “Perspectivas sociológicas: Uma visão humanística”.
Dito isso, quem dos personagens envolvidos no conto drummondiano pode ser considerado como um desviante beckeriano? Diríamos que ambos. Se o homem “indiferente, alienado, perguntando por um vago papel” dá vazão aos seus interesses particulares “em face dos interesses da pátria”, do ponto de vista dos que instituíram a conveniência de uma conduta em específico não haveria outra definição para o seu comportamento que não a de desviante social. Afinal de contas “A unidade pela diversidade” é, nesta e em outras circunstâncias em que esteja envolvido um grupo social, peculiaridade do que é relevante. Mas, depois de toda esta explanação, entendemos que se enxergarmos o ocorrido pela óptica daquele que foi ao recinto para ser atendido, perceberemos que os Outsiders na verdade são os fanáticos por futebol, contravertem a ordem regular para, excepcionalmente, satisfazerem seus interesses coletivos revestidos de individualidade.

Autor: Ailton Filho.

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