quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Resenha: “Convite à Filosofia”, de Marilena Chauí



Ensinar Filosofia já não é tarefa fácil, que dirá passar a matéria para jovens inseridos no Ensino Médio, marcados pelo encerramento de um longo ciclo e pelo início das primeiras decisões, que somadas às já constantes descobertas, medos e inseguranças próprias desta faixa etária, dão os elementos que demonstram o tamanho do desafio. As dificuldades enfrentadas pelos professores vão desde estabelecer um método na tentativa de tornar os conteúdos da disciplina ao menos digeríveis para estes alunos, à quebra dos arquétipos, formados ou adquiridos, em que a Filosofia é tida como qualquer coisa, menos como o que de fato ela é. Marilena Chauí (1941), professora titular de Filosofia Política e História da Filosofia Moderna na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) e uma das mais prestigiadas intelectuais brasileiras, tratou de fazer um Convite à Filosofia para estes jovens em um livro que tem como finalidade fazer da ética, da política, da razão, do conhecimento, da verdade, da ciência, da técnica, da arte, da religião, da história, da lógica, da metafísica e dos demais temas da reflexão filosófica, matérias-primas no cultivo do interesse para a reflexão, desenvolvendo a autonomia intelectual e estimulando o raciocínio crítico, despertando o interesse pela Filosofia e o gosto pela interrogação partindo de investigações e problemas encontrados na experiência cotidiana do próprio leitor.
Chauí introduz o livro aproximando algumas situações representadas no filme estadunidense Matrix (Andrew e Lana Wachowiski, 1999) à Alegoria da Caverna de Platão (427 a.C - 347 a.C.) na tentativa de clarificar a distinção entre realidade e ilusão, conhecimento e crença, verdade e opinião. Trazendo o protagonista Neo como modelo comparativo à ideia de filósofo metaforizada no texto platônico, a professora trás ao cenário cotidiano questionamentos sobre a realidade essencial e profunda de uma coisa para além das aparências, o que permite ao leitor conceber tanto a noção de filosofia quanto o verdadeiro papel do filósofo.  A partir do primeiro esclarecimento, Chauí trata de instigar no leitor a procura pelo seu “filósofo interior”, tendo como ponto de partida as indagações sobre as nossas crenças costumeiras, ou seja, sobre as ideias em que acreditamos sem questionar, que aceitamos porque são evidentes, assim como as sombras na parede da Caverna e os elementos que compõem a Matrix. Didaticamente a autora vai explicando em que consiste o estudo da Filosofia: questões como a distinção entre a reflexão filosófica e a atitude filosófica, a atitude crítica, o pensamento sistemático da Filosofia, suas utilidades e definições, se desenvolvem de acordo com ou uma ordenação metódica e por meio de uma linguagem bastante acessível, contando ainda com exercícios ao fim de cada unidade para reforçar e fixar o conteúdo que foi pontificado.
Além do esquema cronológico adotado por Chauí - dividindo o livro em oito unidades e subdivididos em capítulos - a começar pela origem e nascimento da filosofia na Grécia antiga, e dos exercícios de fixação, as técnicas relativas à transmissão do conhecimento filosófico contam com o uso de figuras que ilustram o conteúdo textual, dando um suporte didático que permite a qualquer leitor alheio ao assunto, um ritmo que favorece uma maior absolvição do que está sendo passado. Contextualizando a filosofia na história da humanidade, e a autora perpassa pelos primórdios do pensamento filosófico: Do período pré-socrático ao socrático, filósofos como Tales, Anaxímenes, Anaximandro, Heráclito, Parmênides, Pitágoras, Empédocles, Anaxágoras e Zenão são apresentados. O período clássico e helenístico (do século VI a.C. ao século VI d.C.) é apresentado sistematicamente até chegarmos ao medievo (do século VIII ao século XIV). Resaltando a influência de Aristóteles e Platão sobre o pensamento dos filósofos medievais, Marilena passa por Plotino, Santo Agostinho, Santo Tomas de Aquino, Guilherme de Ockham, Abelardo, dentre outros que refletiram sobre algumas das principais questões da história da filosofia, até chegar ao período da Filosofia Renascença (do século XIV ao século XVI). Esse esquema continua na Unidade I do livro seguindo pela modernidade (do século XVII a meados do século XVIII), período Iluminista (meados do século XVIII ao começo do século XIX), até chegar à contemporaneidade. O leitor tem a oportunidade de se encontrar na história da filosofia em apenas trinta e três páginas, o que lhe concede a base necessária para prosseguir posteriormente com assuntos mais complexos.
A este ponto o leitor já tem todo um aparato introdutório, uma reunião dos instrumentos e/ou itens cuja função é fundamental à realização dos objetivos que formam o propósito geral do livro. Seguindo o procedimento encadeado em etapas ligadas entre si para tornar mais eficiente o processo de aprendizado, o conteúdo passa a ser exposto focado em suas especificidades: “A Razão” dá nome à Unidade II que busca estabelecer, a primeiro momento, a origem, o princípio e os vários sentidos da palavra razão. Cronologicamente o texto explicativo expõe os princípios racionais defendendo que o pensamento racional é aquele que possui lógica e se dá por intuição ou raciocínio, passando pelas noções de indução, dedução e abdução, para em seguida expor os conceitos de Inatismo e Empirismo até chegarmos à razão na Filosofia contemporânea. Esta mesma sequencia se matem no decorrer das unidades seguintes, obedecendo sempre a uma combinação de partes que, coordenadas, concorrem para um fim de valor pedagógico, a fim de indicar as proporções de suas partes, suas relações mútuas e o funcionamento do todo, conservando a ordem histórica ao partir sempre dos primórdios aos epílogos. Assim acontece na Unidade III com os esclarecimentos acerca das ideias de verdade, falsidade, incerteza, ignorância, dogmatismo, as diferentes concepções filosóficas sobre a natureza e a possibilidade do conhecimento verdadeiro como a socrática, a platônica, a aristotélica, a agostiniana, a cartesiana, a baconiana e kantiana, por exemplo; Na Unidade IV com a origem e nascimento da lógica com a dialética platônica e a formalização do pensamento lógico a parir de Aristóteles com os seus Silogismos, suas principais características, seus objetos, seus diferentes tipos como a lógica simbólica ou formal (dividida em lógica proposicional e lógica de predicados) e a lógica matemática (uma extensão da lógica simbólica em outras áreas), e aplicações nos ambitos da filosofia, da ciência e do conhecimento em geral; Na Unidade V com as questões relativas ao conhecimento como a percepção, a memória, a imaginação, a inteligência, a linguagem, o pensamento, a experiência, e as diversas problemáticas suscitadas no decorrer da história da epistemologia, desde o seu surgimento na modernidade até os dias atuais; Na Unidade VI com a origem, objetos de indagação, principais conceitos e as diferentes vertentes e tradições da metafísica até chegar àquilo que Chauí chama de “as mortes da metafísica” que ocasionam o surgimento da Filosofia pós-metafísica como a realidade puramente discursiva do sujeito do conhecimento;  Na Unidade VII com as discussões sobre a ciência ou atitude científica e as suas diferenças em relação às características do senso comum, diferenças entre ciências humanas e ciências da natureza, a passagem da ciência antiga para a ciência moderna, as mudanças e revoluções científicas e a perspectiva filosófica acerca do ideal científico; Na Unidade VIII com as reflexões sobre o mundo da prática, dos resultados e consequências expressas nas obras, feitos, ações, instituições, técnicas e ofícios do homem social, na cultura, na ética, na vida política, na consciência moral, no universo das artes e dos juízos estéticos, no exercício liberdade, em todas as subtemáticas provindas a partir de um processo de derivação destes objetos primários de reflexão como a cultura de massa ou  massificação cultural e a industria cultural, a experiência do sagrado ou a religiosidade como manifestação cultural, os fenômenos sociais da comunicação e da propaganda ou difusão e divulgação de ideias, valores, opiniões, informações para o maior número de pessoas no mais amplo território possível, a informática como revolução microeletrônica no modo de produção e transmissão de informações, os paradoxos da política no choques ideológicos, a criação do direito, a ideia de republica, soberania, tirania, monarquia, aristocracia, democracia, liberalismo, comunismo, socialismo, anarquismo, fascismo, nazismo, consciência de classes, a ideia de revolução, e as contribuições da Filosofia política no progresso da sociedade civil.  

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