quinta-feira, 22 de setembro de 2016

DISSERTAÇÃO: RESSENTIMENTO E MORAL NEGATIVA NA "GENEALOGIA DA MORAL", DE NIETZSCHE



A moral do ressentimento, do ódio a si mesmo, do medo: Esta é a moral da cristandade e do judaísmo. Formadas como resposta à grandiosidade e fortaleza de romanos e egípcios, como uma forma de resistência e diferenciação levada a tal grau que os valores foram invertidos e retomados os de Sócrates e Platão: uma autêntica vingança espiritual. Ainda que isso pareça, em certa medida, um tanto quanto distante, o ressentimento foi diagnosticado por Nietzsche como uma característica que persiste em nossa modernidade, no modo como nos relacionamos e no rumo que a cultura tomou. Mas para que possamos compreender a origem do ressentimento é necessário, antes, entendermos a relação entre a moral do amo e a chamada “moral do escravo”, ponto que inicia o processo de construção, desconstrução e reconstrução dos valores morais em nossa história.
Em sua obra “Genealogia da moral” Nietzsche propõe uma analise da história da moralidade, começando desde suas origens, até o modo como esta figura no presente de sua época. O objetivo se contrapõe a diversas outras formas de se pensar a moral, tal como a kantiana e as éticas utilitaristas. Isto porque a ideia de se pensar um princípio de valor incondicional, independente das circunstâncias e, além disso, universalizável, encontra dificuldades uma vez que pressupõe um certo afastamento da história, já que independe da experiência enquanto princípio racional. Em oposição a perspectivas desse gênero, a maneira de interpretar e impor os valores no mundo tem ênfase no caráter histórico do homem: sua origem é em muitas ocasiões brutal e muito diferente dos valores que produzem. É necessário entender a genealogia da moral em seu aspecto dicotômico, duplo, dividido em duas partes opostas entre si: a moral dos senhores (afirmativa) e a moral dos escravos (negativa). Os senhores criam valores impostos aos escravos que, por sua vez, reagem à afirmação com uma atitude negativa que Nietzsche chamará de ressentimento. O conceito de “bom”, por exemplo, foi inaugurado junto à alta sociedade para ser aplicado a eles mesmos, indiferente à classe baixa e plebeia. Este foi o valor do amo – “bom” - e, oposto a este, o valor do escravo – “mal”-. É neste cenário que, de acordo com Nietzsche, o paradigma de valores aristocráticos e da superioridade absoluta pautado na diferença entre aqueles da nobreza e os de origem humilde foi criado. No entanto, esta equação começou a ser minada por uma revolta da moral escrava que, segundo Nietzsche, teve início com os judeus.
O ato que funda o triunfo da moral escrava é a formação da má conciência do outro, mola propulsora de toda integração baseada na moral do escravo, cujo expediente busca instituir uma espécie de subjetividade autorrepressiva no outro com o objetivo de manter-lo sob a égide do pastor. Dessa maneira, a rebelião moral dos escravos mudou o sistema de valores imposto pela nobreza e começou a equiparar a bondade com a humanidade, a debilidade e a escravitude. Esta mudança introduz o espírito pernicioso da vingança e o ódio na moral. É a postura reativa dos fracos que se definen por oposicção aos fortes, que os fazem necessitar da existência desse inimigo externo para que possam identificar-se eles mesmos como “bons”. É a partir deste ódio imperceptível, subterrâneo, que surgem os novos valores associados com o Bem, isto é, a compaixão, o autruísmo, a humildade, dentre outros.
Na moral judaica-cristã o pastor introjeta a dor no outro e faz do devedor um perpetuo credor de si mesmo. A má conciência, interpretada como o dispositivo de culpa introjetada que bloqueia toda a voluntariedade e individualização, universaliza a moral do escravo. Uma vez introjetada a incomensurável culpa,  esta fica interiormente presa. Assim, o escravo toma uma “vingança imaginária” sobre o amo, desde que ele não possa atuar sem a existência de um amo ao qual se oponha. O homem ressentido odeia aos nobres com um intenso rancor profundamente enrraizado. Ambas religiões, judaísmo e cristianísmo, são dirigidas por sacerdotes, guias e, em última instância, castigadores. Mas o que diferencia o sacerdote de um indivíduo de seu rebanho? Além de sua peculiar forma de vida, Nietzsche os acusa de ressentidos: em razão de sua impotência, cresce neles o ódio até converter-se em algo gigantesco e sinistro. Este é o ressentimiento, de acordo com Nietzsche, que envenenou a conciência moderna.
Não é difícil concluir que a outra grande crítica deste filósofo va sobre la democracia, conceito e realidade que no mundo moderno tem um sentido de bom, mas que é resultado do completo anti-valor à aristocracia não só da moral, mas da detenção do poder. Isto é, a moral política também foi contaminada por esta raíz venenosa: os conceitos valorativos de igualdade e democracia, que são a pedra angular da teoría revolucionaria, surgiram da revolta dos escravos. Nietzsche condena, portanto, teorias políticas não só como a democracia liberal, mas também como o socialismo e o anarquismo.  A moral é imposta e o homem a aceita por completo, herda seus traumas, suas culpas, seus medos, seus pequenos prazeres, seus ódios; a moral pois, é o que de mais democrático há.
O remate da crítica de Nietzsche à moral moderna é o caráter ascético como oposto aos valores vitais do homem. Nietzsche aquí equipara o conceito de ascetismo ao de estoicismo e, consequentemente, ao caráter inquisitivo e repressor da razão como negação à vitalidade do homem. É possível definir os valores vitais como formas de expresar sentimentos e instintos e é aqui onde se conecta a enorme crítica de Nietzsche à razão: os valores vitais, pois, vão desde a alegría, até a paixão e sua negação só representa duas coisas: a submissão a uma promessa internalizada pela força e fundamentada no ressentimento e a pobreza espiritual do homem inferior a si mesmo. A tirania do logos contra a vitalidade.
Nietzsche, na verdade, amava o homem. Por ele proclamou sua emancipação fundamentada nele mesmo, em sua individualização e em sua autêntica presença no mundo. O ódio e o ressentimentanto sçao os venenos da alma e o homem mesmo é quem deve se automedicar. Por isso a crítica ao cristianismo: o homem deve crer em si como o princípio e fim e ignorar a equivocada metafísica ainda atual. Nesse sentido, o homem verdaderamente bom, é aquele que funda seus próprios valores, aquele que decide sobre si e para si, aquele que expresa sua vitalidade através de seu ser individual, através da originalidade de seu ser.
Nietzsche é o ponto final, não só da ética, como da filosofía clássica.Sua visçao de mundo define não só o definitivo rompimento com o passado, como a forte necessidade de transformação do homem. Para Nietzsche o sistema foi levado aos seus limite extremos e em sua luta pela sobrevivência abssorveu junto com seu propósito o próprio homem, entregue a este que foi. Cada dia que passa, só se observa mais ressentimento, mais subordinação, mais culpa,mais supresão de paixão que deixa escapar impulsos equivocados. Os indivíduos nobres são cada vez menos em relação aos de espírito mediocre e fraco que, como são maioria, ocupam o poder e dirigem os movimientos sociais. A crítica de Nietzsche à cultura ocidental, marcada pelo platonismo e pelo cristianismo é uma crítica à subordinação do homem, sua imposibilidade de criar seus próprios valores e fazer seu futuro a partir dessa tafera exclusivamente pessoal. A imposição cristã-platônica-judáica fundamenta sua postura ante os valores metafísicos que pouco ou nada têm a ver com esta realidade.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

NIETZSCHE, Friedrich, Genealogia da Moral (tradução de Paulo César de Souza). São Paulo: Companhia das Letras , 1999. Autor: Ailton Filho

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