quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Dissertação: Freud e a Educação



O ponto de vista freudiano relaciona a educação infantil com uma tarefa ética particularo psicanalista que tem como guia condutora, a verdade. Conhecemos a partir de autores como Mannoni ou Doltó, as consequências psicopatológicas ao deixar de se considerar a nossa própria história e nossos desejos.  A capacidade de pensar, de fantasiar, de sonhar e de falar permite que nos aproximemos desta realidade interior. A criança, em especial, dá vazão à sua plasticidade fantástica e às suas fabulações quando estas não estão perturbadas por bloqueios emocionais. A educação para a realidade que Freud trata em O futuro de uma Ilusão (1927), consiste em que a criança não só enfrente e aproprie-se de sua realidade exterior, mas também e principalmente de seus labirintos desconhecidos. Estes, no entanto, para alguns pedagogos, estão intimamente conectados aos caminhos externos da educação. Nesse sentido, o trabalho educativo tradicional se habituou a preconizar um estado de quietude em que não há revoltas nem distúrbios, indicando a ideia de que o principal objetivo de alguns educadores é ignorar “a criança que ele foi”, uma vez que o seu reconhecimento faria desvelar a máscara da própria “amnesia infantil”.

No início de suas Conferências Introdutórias sobre Psicanálise (1915), Freud refere-se ao método analítico como uma espécie de “pós-educação”. Neste ponto de seu trabalho, espera-se que a educação possa funcionar como profilaxia das enfermidades mentais, e, com isso, o tratamento analítico corrigiria o que a educação não poderia alcançar. Dessa forma, ambas haveriam alcançado sua metas se o mundo das pulsões se organizasse satisfatoriamente através da formação reativa e da sublimação. Embora seja verdade que em sua obra posterior fornece uma leitura completamente diferente, nesta época Freud vai defender que nem o professor nem o analista pode reivindicar o direito de impor desígnios e objetivos ao educado. Ao contrário, aconselha o educador deve se limitar apenas a promover as virtudes do aluno. Com o trabalho da sexualidade infantil aparecem mudanças em suas concepções: a repressão da sexualidade aparecerá mais precocemente e a cultura do sujeito passam a ter um papel coadjuvante.

Desde esta nova perspectiva, só uma parte do homem pode ser educada: as pulsões do Eu. Estas se submetem facilmente à educação pelo benefício da auto-preservação aos objetos externos. Ao contrário das pulsões do Eu, as de ordem sexual são irredutíveis a qualquer "domesticação". Estas prescindem do objeto externo e se satisfazem auto-eroticamente para além do desenvolvimento do ego. A educação levada à cabo pelos pais e/ou instituições de ensino conduz e modela os processos de auto-preservação por intermédio do princípio da realidade, o que permite com que o Eu vinculado ao princípio do prazer arcaico e infantil se transmute em um Eu ligado ao princípio da realidade. Dessa forma, as medidas educativas protegerão a criança e a oferecerá elementos, instrumentos e todo o aparato necessário para que sua inserção na vida seja autêntica, sabendo tolerar a dor que isto implica. Se a criança tolera certo desprazer pela renuncia a alguma satisfação imediata, é porque lhe é oferecido e por ela recebido algo em troca: o amor.
Sobre isso, nos diz Freud, em suas Considerações atuais sobre a guerra e a morte (1915), que “Aprendemos a valorizar o fato de sermos amados como uma vantagem em função da qual estamos dispostos a sacrificar outras vantagens”.

No ser humano, o amor (relacionado com as pulsões sexuais e a satisfação libidinal), é ainda assim garantia de proteção e segurança (próprio das pulsões de auto-conservação), estando, dessa forma, imbricadas uma a outra. Esta íntima interdependência, é que sempre se deve ter em conta em um processo educacional; e, além disso, é ela que integra e concilia o mundo das paixões e o mundo cognitivo. É necessário que se mantenha uma fronteira entre ambos, mas que haja também uma passagem, e não um muro impenetrável. Para que o pensamento se desenvolva plena e satisfatoriamente, a criança deverá saber "algo" de seu mundo psíquico e  explorar as compatibilidades ou não com seus desejos; um saber que o sujeito não sabe que tem, e que lhe é desconhecido por sua própria divisão constitutiva. No entanto, isto não significa que para uma aprendizagem adequada todas as crianças ou adultos deverão passar obrigatoriamente por  análise. Na verdade, o ser humano tem a possibilidade de conectar-se com algo deste saber através das transações criativas em sua vida.

Freud sustenta que isto não só ocorre com a criança, como também com o educador, e que sua “amnesia infantil” bloqueia o saber das crianças que educa. Os riscos deste saber é a constatação paulatina da falta de correspondência absoluta da sexualidade humana. A repressão que é a marca deste encontro impossível é substituída pelo juízo de condenação do processo de pensamento consciente. O juízo de condenação é, para Freud, uma espécie de metamorfose da negação que continua levando a marca da repressão a qual substituiu. O sujeito toma consciência de seus desejos mas proíbe sua realização, por razões morais ou de oportunidade. A repressão, que é automática e excessiva, é substituída por este processo mesurado e intencional com a ajuda das instancias psíquicas superiores.

Como vimos, quando Freud preconiza uma educação para a realidade, trata-se de uma educação que leva em conta tanto os desejos do sujeito, quanto aqueles que ele ignora. É Justamente o preço por esta ignorância que faz com que a sexualidade esteja sempre disposta a reaparecer nos processos secundários, forçando ainda mais a repressão e ocasionando os sintomas, entre eles os frequentes transtornos na aprendizagem escolar. O fantasma reprimido reaparece nesta dificuldade de compreender, assimilar ou memorizar da criança. As funções do pensamento são desviadas de seu funcionamento normal, por estar agora sob ao domínio da satisfação fantasmagórica. As fantasias sexuais, sistema inconsciente, que causam prazer, são as que provocam desprazer no Eu consciente. As primeiras são vistas por Freud como frutos das leis naturais,  representadas como uma ameaça para o individuo. Este se reorganiza mediante as leis sociais, protegendo-se da castração e da morte que o desejo ocasiona. Sendo assim, o gozo cede seu lugar à sobrevivência. O educador representa as normas sociais, o acesso à humanidade e a ordem simbólica. No entanto, há algo que se desconsiderado, torna sua função apenas parcialmente exitosa: a antinomia irreconhecível entre sexualidade e civilização, entre natureza e cultura.

Em Algumas reflexões sobre a psicologia do escolar (1914), Freud comenta que a aquisição de conhecimentos está intimamente ligada a um tipo de relação (amor e ódio) que o aluno mantem com seu professor. Esta reproduziria o modo de relação da criança com seu pai e a saída do complexo de Édipo. Os sentimentos de admiração e hostilidade dirigidos ao pai, agora se reatualizam na figura do mestre. A destituição do lugar do ideal com respeito ao pai, é o que possibilita que a criança se abra a outros lugares transitoriamente idealizados. Mas assim como o analista não deve manter-se nesse lugar do ideal, o docente também tem que saber renunciar a esse lugar, desprender-se progressivamente do narcisismo e evitar que o aluno se coloque no lugar de seus desejos, o que o levaria à subjugação.

A ética tradicional baseada somente nos ideais (o imaginário), é substituída por uma ética que leva em conta a realidade, mas em sua dupla vertente: a exterior e a interior. A primeira é social, a que devemos ensinar e aprender para resolver os obstáculos para a sobrevivência. A segunda é de onde a harmonia se realiza somente por momentos, e é a que a ilusão e as religiões tratam de mascarar. Não cabe dúvida de que uma educação que ignora as dimensões autênticas do ser humano pode brindar uma aparente comodidade, mas seu preço é demasiadamente elevado: o do não pensamento, do não questionamento, da falta de ambição intelectual e, sobretudo, da ignorância.







REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FREUD, Sigmund. Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 1969.
_______. (1914). Algumas reflexões sobre a psicologia do escolar. Vol. XIII
_______. (1915). Conferências introdutórias sobre psicanálise. Vol. XV
_______. (1927). O Futuro de uma Ilusão. Vol. XXI Autor: Ailton Filho

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