Criado no castelo do barão Thunder-ten-tronck, na Alemanha, Cândido era um jovem que fazia jus a seu nome. Por influência do seu filósofo Pangloss, era otimista, acreditando que o mundo em que vivia era o melhor dos mundos possível (filosofia de Leibniz). Nutria por Cunegunda uma imensa paixão. O que, aliás, mais tarde, iria render-lhe a expulsão do castelo do barão Thunder. Expulso, encontra todo o tipo de dificuldades, apesar disso, continua otimista: com a esperança viva de reencontra seu amor. Se não fosse expulso, Cândido certamente teria outro destino pois sua antiga família fora devastada pelos búgaros, ou seja, ironicamente, ele teve “a sorte” de ser expulso. Enquanto vaga pelo mundo, Cândido é espancado e vive miserável até que chega a Eldorado. A ida de Cândido a esse lugar o revigora. Saindo de lá, ele marca de encontrar seu fiel amigo Cacambo em Veneza com o intuito de resgatar sua amada Cunegunda. Cândido passa por várias cidades com um novo amigo, o maniqueísta Martinho, onde consegue se virar bem com os diamantes que trouxera de Eldorado, mas sofre vários golpes por ter se tornado um homem de grande poder aquisitivo. Chegando em Veneza, descobre que sua amada não se encontra no país, sofrendo com a perda da sua paixão, Cândido passa vários dias desolado e triste até que reencontra, por acaso seu amigo e fiel criado Cacambo. Ele lhe diz que Cunegunda vive em Constantinopla, que ficara feia por tudo o que sofrera desde então e que era serva de um príncipe na Transilvania. Marcam de zarpar com o navio em direção a ela: não importa se tivesse ficado feia, ainda guardava em si o compromisso de desposá-la. Na viagem reencontram Pangloss e o barão (irmão da sua amada). O primeiro salta de alegria e o lisonjeia enquanto conta como chegou até ali. O segundo lhe é grato até o momento em que Cândido lhe conta sua intenção de casar-se com sua irmã. O irmão de Cunegunda prefere morrer ao ver ela casada com Cândido e este se vê obrigado a livrar-se dele. Reencontrando os dois, Cândido, os liberta, mas decide por deixar o barão para trás. Partindo em direção à Constantinopla, Cândido e seus amigos reencontram Cunegunda e a Velha. Mesmo feia, Cunegunda ainda interessa a Cândido. Depois de passado algum tempo, eles atingem certa estabilidade e constância em suas vidas. Isso entedia a todos, o que levanta algumas questões entre o circulo de amigos. Martinho continua pessimista, Pangloss, otimista e Cândido, influenciado por Pangloss, vê a necessidade de continuar otimista, mas transmite mais prudência ao afirmar que é preciso cuidar do jardim. Entende-se que ao cuidar do jardim, evitamos que ervas daninhas o destrua da mesma forma que o tédio é capaz de tornar a vida insípida.
Comentários
O otimismo como Defesa
O otimismo de Cândido é comum ainda nos dias de hoje. Do ponto de vista religioso, muitos fieis não abandonam a promessa da terra prometida por nada. Isso porque, apesar das desgraças que ocorrem nas vidas de muitos, continuam acreditando que Deus as coloca em suas vidas para testar sua fé. Outros ainda acreditam num plano do criador, com um objetivo ou meta que se cumprido retornará ao fiel em forma de recompensas nessa ou em outra vida.
Os espíritas, por exemplo, acreditam na evolução da alma e que esta se dá por intermédio de provações (problemas de ordem pessoal ou social). Astrólogos ou adeptos dessa pseudo-ciência pensam que tudo o que acontece está inserido num destino traçado pela posição dos planetas no dia do seu nascimento. Se algo de desagradável lhes ocorre é por causa do karma (sistema também adotado por religiões da Asia). Para os astrólogos, o Karma é causado pelos trânsitos do planeta Saturno e que se algo de desastroso lhes acontece é porque o merecem. Ou seja, são otimistas, pois aceitam o acontecimento e o veem como parte da naturalidade do mundo.
Nesse contexto, o otimismo parece ser uma maneira de sobreviver num ambiente marcado pelas circunstâncias que nos põe para baixo. É preferível, nesse sentido, que não desistamos de tudo como o personagem Martinho: precisamos acreditar em algo que seja superior aos acontecimentos.
Obviamente, existem muitas pessoas como Martinho, desencantadas com a vida, profissão família, etc. Também é verdade tais tipos não têm mais esperança ou sonhos e que com isso, se tornam menos humanas.
Tomar os vários acontecimentos como prova de que sempre se repetirão de forma trágica é desistir de tentar mudar a história. Com otimismo, somos capazes de enxergar no mundo o espelho daquilo que queremos ver nele. Se, por acaso, nos entregamos à tragédia, ao desastre, à desilusão, corremos o risco de sermos transformados pelo acontecimento e perdemos a autonomia que nos permite transformar o acontecimento em algo bom, seja por aceitação ou por perspectiva.
Por outro lado, o otimismo parece parte de um idealismo que possuímos. Cândido, quando achava que tudo ia bem, isto é, “de acordo com seu ideal” se surpreendia com o contraste entre esse ideal e a realidade. Quando finalmente conseguiu reencontrar sua amada, já não queria mais casar-se com ela, pois ela se tornara outra pessoa do ponto de vista dele. Quando conseguiu paz na vida, a via como tediosa e já não precisava mais dela.
Contudo, ao mesmo tempo em que a obra estimula o otimismo, também o critica, mostrando que o que queremos que o mundo seja jamais se produz com realidade. Dessa maneira, Voltaire faz uma sátira demonstrando que o homem se ilude com sonhos que não podem ser concretizados, visto que o mundo possui realidade própria e que tudo muda menos a nossa necessidade de controlar a vida.
Referências
VOLTAIRE. Cândido, ou o otimismo. Tradução de Roberto Gomes. Porto Alegre. Editora L&PM, 2011.
Nenhum comentário:
Postar um comentário