sábado, 17 de março de 2018

Santo Anselmo e Gaunilo


O presente texto tem como objetivo esquematizar o argumento ontológico de Santo Anselmo de Cantuária (1033-1109), assim como expor as críticasfeitas porGaunilo (994-1083), que foi um monge Beneditino na França, e as respostasde Anselmo. Dessa forma, o artigo apresentará os argumentos de Anselmo, as refutações de Gaunilo e a réplica do filósofo.
Em sua obra“Proslógio”, Santo Anselmo, que foi um importante autor medieval, expõe sua prova ontológica para a existência de Deus, que posteriormente é contestada por Gaunilo. A Filosofia de Anselmo é de extrema importância na Filosofia e aborda temas como a linguagem, a teologia e a epistemologia.
            A tese de Anselmo é a de que Deus é “um sero qual não se pode pensar nada maior”.A existência de Deus está implícita na proposição, uma vez que “um ser o qual não se pode pensar nada maior” existe na inteligência de quem compreende a frase. A da defesa da tese de Anselmo emerge da exposição do significado da frase.
Segundo o autor, Deusexiste tanto na inteligência como na realidade, já que não é possível que Ele seja o que a frase diz que Ele é e lhe faltasse o atributo da existência. Ou seja, se ele é o que a frase diz que ele é, não pode faltar a Deus o que nós, seres finitos, possuímos. Ele se tornaria, segundo Anselmo, o ser o qual é possível pensar algo maior.
Anselmo teoriza no capitulo terceiro que não é possível sequer pensar que Deus não existe. Para ele, dizer que Ele não existe só é possível na fala de quem não compreende a proposição citada acima. Tomando como ponto de partida a não existência de Deus, seria possível pensar algo maior que ele. Mas Deus é o limite máximo do pensamento e, se o pensamento alcança coisas existentes, não é possível pensar que Deus, sendo maior que tudo que existe, não exista. Anselmo diz que quem pensa o contrário carece de raciocínio.
Negar a existência de Deus, para o filósofo, é uma interpretação equivocada.Quando possuímos algo no coração, também o possuímos em pensamento. Se o insipiente disse em seu coração que Deus não existe, houve um erro, pois quando ele afirma isto em seu coração, expressou o que não é possível pensar. Para ele, uma coisa é falar pela forma do uso da palavra, ou a palavra pela palavra. Por outro lado, a outra maneira é compreender o significado daquilo que é dito. Assim, ele distingue forma de conteúdo.
Em contraponto com essas ideias,Gaunilo expõe no capitulo Livro em favor de um insipienteque quem nega ou duvida da existência de uma natureza a qual não é possível pensar nada maior já a possui na inteligência pela compreensão do sentido daquilo que a frase diz.
            Para refutar o segundo argumento de Anselmo, Gaunilo expressa que podem existir pensamentos variados na mente e compreendidos por ela e, mesmo assim, não passarem de pensamentos falsos ou de coisas inexistentes.O ponto é que o fato de esses pensamentos estarem na inteligência não implicaria na existência deles apenas pela compreensão dos mesmos. Dessa forma, Gaunilorelaciona o argumento de Anselmo “O ser o qual não se pode pensar nada maior” aos pensamentos falsos e inexistentes, afirmando serem ambos da mesma natureza. Ele afirma que se não tivessem a mesma natureza, o argumento de Anselmo seria válido.
            Gauniloexpressa que a pintura não se assemelha a natureza do Ser descrito por Anselmo, pois enquanto ela está na inteligência do artista, Deus não está. Além disso, diante do argumento de que “o ser o qual não é possível pensar nada maior” existe na inteligência e necessariamente existe na realidade, o crítico afirma que essa necessidade não é irrefutável, uma vez que é possível conceber coisas inexistentes na inteligência, como a imagem de um homem inexistente formada pela noção geral da espécie humana. Portanto,Gaunilo coloca em dúvida que o Ser exista na inteligência e na realidade e concebe a “existência” desse Ser de maneira equivalente a existência da representação de uma palavra.
O ser o qual não é possível pensar nada maior é comparado por Gauniloa uma Ilha inexistente, mas que é descrita como a melhor de todas. Quem diz que a ilha é a melhor de todas, afirma que a condição para ela existir é exatamente essa. Pois se ela existe na inteligência, existe também na realidade, caso contrário não seria a melhor de todas. No entanto, Gaunilo coloca que ela não existe e indaga se não seria estúpido aquele que acredita em sua existência.
            Gaunilo põe em questão a impossibilidade colocada por Anselmo de pensar que Deus não existe. Ele argumentaque se não fosse possível, por que Anselmo se esforça para responder às refutações de quem nega suas alegações?
A questão levantada por Anselmo de que Deus é um ser que não pode ser pensado como não existente é questionada por Guanilo. Segundo ele, sua própria pessoa não pode ser pensada como não existente, o que implica que Deus não é o único que não pode ser pensado como não existente.
Levantando o tema da “espécie e do gênero”, presente na corrente dos universais, agora o autor diz que o ser não pertence a nenhuma dessas categorias. Nem em si ou por si (substância), inviabilizando, dessa forma, a possibilidade filosófica da tese de Anselmo, a qual trata de provar um tipo de existência que não pode ser ajustada a teoria dos universais.
Anselmo explica a existência de Deus como sendo sem princípio ou fim. Se Deus não está no tempo, como nós estamos, “O ser o qual não se pode pensar nada maior’ não pode ter começado e nunca terminará, pois isso é o que se pode pensar no limite do pensamento sobre quem é Deus. O filósofo medieval reafirma que se é possível pensa-lo como existente e é necessário que exista, não como nós existimos, mas como “O ser o qual não se pode pensar nada maior” existe.
Não é possível conceber a existência necessária (na inteligência ou na realidade) daquilo que permite ser pensado como existente ou não existente, mas quando enunciamos a frase “O ser o qual não é possível pensar nada maior’, eliminamos, consequentemente, a possibilidade de concebê-lo como não existente, tanto na inteligência, através da compreensão, como na realidade.
Sobre as implicações do argumento, Anselmo afirma em sua demonstração, o modo pelo qual Deus existe, ou seja, fora da temporalidade e no limite da nossa razão: “Tudo aquilo, porém, que pode ser pensado e não existe realmente, se viesse a existir, não seria “O ser o qual não se pode pensar nada maior”(ANSELMO,1984,p.136.).
Anselmo fala da impossibilidade de não compreender (OSNPPNM), já que no caso contrário, não saberíamos de nada disso que está sendo falado. Pois desconheceríamos essas propriedades d’Ele.Propriedades integradas à frase em questão e que estão implícitas nesta. Negadas apenas por quem não a compreende em sua inteligência.
Quem pensa que esse ser não existe, diz Anselmo, pensa o que não pode ser pensado acerca da frase “O ser o qual não se pode pensar nada maior”. Não lhe é conferida existência ordinária, mas extraordinária no limiar daquilo que é cognoscível. Segundo ele:

Pois, sem dúvida, podem ser pensadas como não existentes todas ou separadamente aquelas coisas que têm princípio e fim ou que constam de partes, e tudo aquilo que, como já disse, não se encontra completo num determinado lugar ou tempo. Mas o ser que não possui princípio nem fim, que não é composto de partes e que o pensamento encontra completamente inteiro por toda a parte e sempre, não admite ser pensado como não existente. (ANSELMO p.140).

Nesta passagem, Anselmo fala da inexorabilidade da frase e suas implicações e diz, entre outras coisas, que Deus, que é atemporal e eterno, não pode não existir.Mais adiante, o filósofo demonstra que não se pode compreender aquilo que é falso, uma vez que compreende-se apenas o que é verdadeiro: mesmo quando compreendemos uma falsidade, o fazemos compreendendo a verdade que se esconde nela.
Com relação à crítica relacionada à espécie e ao gênero questionados por Gaunilo, Anselmo diz que categoria em que Deus pode se encaixar encontra-se no “bem” maior que se pode esperar d’Ele. Assim, ele destaca que há bem maiores e bem menores.Para Anselmo, a argumentação de Gaunilo era parte de um pressuposto equivocado. Ele o refuta, retomando argumento central, eexpondo:
Consequentemente, quando se pensa “o ser o qual não se pode pensar nada maior” e, ao mesmo tempo, pensa-se que ele pode não existir, não está sendo pensado o ser o qual não se pode pensar nada maior, porque é impossível pensar e não pensar ao mesmo tempo, uma mesma coisa. Por isso, quem pensa “o ser o qual não se pode pensar nada maior”, não pensa um ser que pode não existir, mas um se que não pode não existir. É necessário, portanto, que o ser que ele pensa exista, porque tudo aquilo que pode não existir não é aquilo que ele pensar.(ANSELMO p.146)

Portanto, Anselmo inclui num novo elemento em sua argumentação quando caracteriza a atemporalidade de Deus: não se pode afirmar tampouco negar sua existência. Além disso, a lógica implícita na frase torna ilimitados os modos de ser de Deus. O limite aparece apenas em nossa capacidade de pensa-lo. É possível concluir que Anselmo defendeu seus argumentos com minúcia e formalidade.



Referências Bibliográficas:
 ANSELMOMonologionProslogion, A Verdade, O gramático.. São Paulo: Editora Abril, 1984. (Os pensadores)

Descartes e o Cogito ergo sum


            Descartes começa o primeiro capitulo e parte das Meditações Metafísicas "Das coisas que se podem colocar em dúvida", afirmando que por muito tempo se enganara e questionando seus próprios meios de obtenção do conhecimento seguro. Para isso, diz que até então seus princípios foram mal assegurados, fato que lhe rendera apenas dúvidas e incerteza.
            Desse modo, a filósofo busca constância e firmeza, não apenas para satisfação e segurança individual (pois a dúvida tinha em vista apenas refletir sobre ele próprio), mas também porque ambiciona alicerçar todas as ciências sobre bases sólidas e seguras, em vista de provar a veracidade daquilo que não pretende mais chamar de simples opiniões. Ele se desfaz, para isso, de suas falsas e incertas opiniões formadas ao longo dos anos, para começar tudo desde os fundamentos.
            Descartes relata que esperou muito tempo para cumprir tal tarefa, já que não encontrava-se maduro e preparado o suficiente para fazê-lo. Por outro lado, agora mostra-se disposto a despojar-se das suas antigas opiniões. Toma, então, a decisão de sistematizar suas dúvidas acerca do que é manifestamente incerto ou duvidoso.
            A dúvida hiperbólica é assim engendrada numa decisão. Nesse sentido, no primeiro momento do texto a) ele reconhece que possui falsas opiniões b) se desfaz dessas opiniões c) começa tudo de novo desde os fundamentos.
            Descartes trata como falso aquilo que é duvidoso e incerto, pois, segundo ele: o que nos enganou uma vez, não merece crédito. Dessa maneira, pretende estabelecer uma relação entre o que é falso, incerto e duvidoso, duvidando de tudo o que é possível duvidar afim de solidificar os alicerces das suas opiniões, e crenças, convertendo-as em certezas.

            A dúvida radical visa que seus resultados sejam verdadeiros. Por isso, é importante não pensar que as dúvidas são fingidas, pois elas estão comprometidas seriamente em extrair os frutos que restarem (verdades) do processo de exclusão.
            O primeiro grau da dúvida hiperbólica é o argumento dos sentidos. Descartes fala nele que experimentou que muitas vezes os sentidos lhe enganaram e que pensava ser prudente nunca confiar em um dia o enganou.
            Para ilustrar como os sentidos podem nos enganar algumas vezes, experimentemos, por exemplo, a visão de uma pessoa localizada em nossa frente, vemos sua face, seu tórax e abdômen vestidos ou desnudos, mas não conseguimos observar seu corpo verdadeiro em todos os seus ângulos, ou seja, sua totalidade, isto é, a visão se limita apenas a uma parte dessa totalidade, nos enganando.
            Outro exemplo, que se refere ao sentido da audição pode ser elucidado pela seguinte situação: ao ouvirmos uma pessoa chorar, podemos pensar que as lágrimas são de tristeza, quando na verdade são de alegria.
            Outro exemplo, que ilustra outro sentido: o do cheirar; pede um pouco mais de esforço, mas pensemos nos fumantes que quando perguntados porquê fumam, respondem que o fazem porque gostam do cheiro de sua fumaça quando na verdade são viciados em nicotina (substância  presente no cigarro). Esse exemplo pode repetir-se no rapé, que também contém nicotina, ou na cocaína, entre outras.
            Para ilustrar que o sentido do tato também pode nos enganar, pensemos apenas sentir que alguém nos toca na extremidade enquanto estamos de costas e nesse momento achamos que é nosso irmão João mas quando nos viramos constatamos que se trata do nosso amigo José.
            Finalmente, resta-nos o sentido do saborear, e nesse sentido, pensemos que ao comermos um bolo, pensemos que ele contém leite de vaca, açúcar refinado, chocolate e farinha de trigo com ovos. Mas quando perguntamos a cozinheira qual a receita, ela nos diz que leva leite vegetal, adoçante natural, cacau puro farinha de aveia, tofu, óleo e água. Ou seja, o paladar também pode nos enganar.
            O segundo argumento apresentado por Descartes em Meditações Metafísicas é o dos sonhos. Para esse argumento, o sonho e a vigília não são claramente distintos, pois quando dormimos temos costume de representar as coisas da mesma forma que representamos quando acordados.
            Isso leva Descartes a se perguntar se não está dormindo quando está acordado. A realidade se mostra em ambas as maneiras de ser e embora nos enganemos ao sonhar, nós também o fazemos acordados.
            Por conta dessa evidência, Descartes levanta a hipótese de que não há dicotomia de validade ou falsidade entre o sonho e a vigília. Nesse sentido, Descartes relaciona ambas as realidades dizendo que as coisas que fazemos e nos são mostradas nos sonhos parecem reais, mas, como se sabe, não passam de ilusões.
            Além disso, Descartes unifica a realidade nos sonhos à realidade presente em criações artísticas, pois ambas encontram referencias no que se entende por mundo real (em vigília): como, por exemplo, o azul pictórico é sempre o mesmo azul de quando estamos acordados.
            Dessa forma, Descartes encontra correspondências entre o mundo real e o mundo dos sonhos: é possível encontrar objetos simples e universais sendo representados nos sonhos, são eles: a) quantidade ou grandeza e seu número, b) espaço, c) tempo.
            Esses princípios são percebidos em ambas as realidades (sonho e vigília). Tanto no sonhos como na vigília dois mais três são cinco e uma esfera é sempre esférica, assim como um quadrado tem sempre quatro lados, e um triângulo, três. Contudo, o filósofo afirma que essa é a razão pela qual ciências que tratam de coisas compostas (Física, Medicina, Astronomia) não oferecem tanta certeza como as ciências que tratam de coisas simples (Aritmética e Geometria).
             Nesse sentido, o conhecimento geométrico e aritmético encontrados nos sonhos são a prova de que eles não são totalmente ilusões, pelo menos não tanto quanto a realidade em vigília a ponto de separar-se completamente dela.
            Para Descartes, Deus pode ser enganador no sentido de permitir o engano no mundo, porém ele enfatiza sua bondade soberana. Não é porque permite o engano que Deus seja mal, pois ele pode ser enganador por não querer que nos decepcionemos com as desilusões causadas pela constatação das verdades que ainda não possuímos. Dessa maneira, faz parte da sua bondade permitir o engano.
            Assim, Descartes converte o termo do "Deus enganador" em "Gênio maligno". Segundo o filósofo francês, esse gênio o faz acreditar em seus sentidos, que são ilusórios. Dessa forma, ele suspenderá seu juízo quanto a crenças relacionadas aos sentidos afim de cuidar para que nenhuma crença falsa lhe seja imposta pela industria do gênio maligno.
            Descartes encerra o capitulo descrevendo um tipo de preguiça que o assola e que lhe tira a coragem para seguir com o laborioso esforço de buscar a luz e o conhecimento da verdade.
            Na segunda parte das meditações, Descartes descreve seu sentimento que o enche de dúvidas. E, embora esteja se sentindo assim, continuará como antes: se afastará das coisas e opiniões duvidosas como se fossem falsas e seguirá assim até conseguir alguma certeza. Não importado se a primeira certeza seja a mais importante ou "mais alta certeza", mas tão somente que seja a inauguradora das certezas.
            Dessa forma, recomeça sua reflexão supondo que tudo o que vê é falso: pensa não apenas que não possui corpo e sentidos mas desacredita a realidade aparente de tal forma que supõe que tudo o mais são ficções do seu espírito (mente), restando unicamente a incerteza do mundo.
            Apesar disso, não vê necessidade em recorrer à divindade para encontrar as causas da sua dúvida, já que ele próprio se vê capaz de produzi-las. Isso o leva a questionar se ele não é alguma coisa, pois era capaz de algo e assim seria algo.
            Mais: será que sua existência dependia dos sentidos e do corpo? Essa possibilidade não contradiria a afirmação diante da qual  não há nada no mundo de certo, incluindo ele mesmo? certamente não. Segundo o relato do seu próprio pensamento, sua existência é indubitável.
            Levando em consideração a sua epifania anterior de que existe um gênio maligno que o engana sistematicamente, Descartes afirma que há algo de que não pode se enganar: de que ele é algo enquanto pensa ser esse algo. Assim, Descartes afirma que é algo e que existe. Ele diz que isso é verdadeiro todas vezes que é concebido ou enunciado em seu espírito, alma, mente.
            Essa frase representa, neste momento de sua obra, um transição que irá analisar a natureza do eu-existente-cartesiano. Assim, ele se volta para sua auto-suficiência capaz de encontrar verdades. O que, alias,  reflete o título dessa parte das meditações (Meditações Parte II) que é: "Da natureza do espírito e de como ele é mais fácil de conhecer do que o corpo".
            Descartes sabe que é, mas não sabe o quê é. Qual o conteúdo da existência que afirma ser verdadeira? é partindo desse ponto que Descartes sugere sua investigação metódica a fim de definir-se verdadeiramente. Para isso, se despoja, como antes, de todas  as suas opiniões e verdades infundadas.
            Agora, Descartes busca o que é indubitável em ser um homem: aquilo que é o homem, o que é o define verdadeiramente. Será sua racionalidade? O filósofo discorda desse método de investigação e realinha-se com o método de dúvida, no qual acredita que será mais bem sucedido.
            Dessa forma, primeiramente, ele considera apenas a si mesmo, a saber: que ele é um corpo. Para ele, isso o leva as relações entre sua alma e corpo. Mas o que é uma alma ?- Pergunta. Será como o vento?. O corpo, nos diz ele, não pode ocupar dois lugares ao mesmo tempo e é identificado como uma figura. Ele pode ser tocado pelo tato, visto pela visão, cheirado pelo olfato, etc. Além disso, pode ser afetado e movido.
            Na procura por sua essência, ou daquilo que o defina segundo as coisas as quais ele não pode duvidar, quais são os atributos que lhes pertence? caminha e alimentar-se, mas visto que não possui corpo algum, não podemos aceitar tal resposta. Outra é sentir, mas sentir depende do corpo, e, além disso, é possível sentir enquanto dorme. Resta o pensar, o qual é dito aquilo o qual não pode ser separado de mim, diz ele:
Eu sou, eu existo. Isso é certo, mas por quanto tempo? a saber por todo o tempo em que penso, pois poderia ocorrer que se eu deixasse de pensar, deixaria ao mesmo tempo de ser ou de existir. Nada admito que não seja necessariamente verdadeiro. Nada sou, pois falando precisamente, senão uma coisa que pensa. (DESCARTES, 1979, p.94)

            Assim, Descartes conquista sua primeira certeza na ordem das razões usando seu método: uma coisa que pensa é também uma coisa que duvida, pois o ato de pensar é o mesmo ato de duvidar. Dessa forma, o método excluiu tudo o que era duvidoso, mas encontrou na dúvida a certeza daquilo que era essencial para Descartes existir.
            Para ele, pensar se dá de diferentes modalidades que incluem duvidar (não acreditar estar convencido de algo), conceber (gerar, produzir conceitos), afirmar ou negar (formar juizos acerca de algo), querer ou não querer (decidir por isto ou aquilo), sentir (ver, ouvir, cheirar, tocar e "saborear") (o saborear se subdivide em salgado, doce, amargo, azedo e mais recentemente "umami"), Além do imaginar.
            No senso comum, imaginar está associado a fantasiar, mas para Descartes isso não se segue. O filósofo não vê a imaginação como uma atividade de criatividade exclusivamente, apesar, da criação imaginativa existir. Tal forma de percepção está restrita, no texto, às coisas materiais.
             Imaginar, para Descartes, pressupõe a existência de corpos, sendo sempre a imagem de coisas corporais, pois nossos sentidos percebem coisas corporais e não fantasias. Assim os sentidos e a imaginação são entrelaçados a coisas materiais. Além disso, a imaginação pode também estar associada a memória, pois ao lembrarmo-nos de algo, invocamos na mente imagens de coisas corporais. Reunimos, assim, os dados dos sentidos ao imaginar.
            Nesse sentido, a imaginação para Descartes é muito mais simples do que a noção difundida pelo senso comum. Todas essas modalidades ocorrem internamente e não externamente, sendo os modos de pensar atos sempre introspectivos.
            Dessa forma, apenas o pensar resiste a exclusão metódica. O que nos leva novamente a proposição quando o filósofo afirma " Eu sou, eu existo é necessariamente verdadeira sempre que eu a pronuncio ou a concebo em meu espírito. Assim, é da unidade entre pensar e existir que concebe-se a natureza daquilo que tenho certeza.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
DESCARTES, René. Meditações Metafísicas, in Os Pensadores, edição Abril, Rio de Janeiro, 1979.